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Cristovam Buarque: "Continuarei"

Continuarei

Foi uma honra ter servido ao Distrito Federal, por dois mandatos, como senador da República. Creio ter orgulhado Brasília com meu comportamento e minhas ações. Consegui atravessar todo o período da crise moral na política brasileira sem provocar qualquer constrangimento ético; sem mentir e sem usar demagogia; forma de corrupção que rouba a mente do eleitor e desorganiza o país. 

Entre todos os 744 eleitos desde a Constituição de 1988, consegui ser o senador que formulou e aprovou o maior número de leis, sancionadas e em vigor; o segundo, entre todos os 1544 eleitos desde 1946. Faz parte deste conjunto de 21 leis a do Piso Salarial Nacional do Professor; a lei que assegura direito à vaga para toda criança desde os quatro anos e a que obriga governos a oferecerem vaga até o final do Ensino Médio para o aluno que desejar. 

Mesmo enfrentando pressões e agressões, defendi e votei sempre o que minha consciência indicava ser o melhor para o Brasil, não o melhor para minha carreira. Defendi e votei leis necessárias para o DF, consegui R$ R$ 142,604 milhões de emendas. Fiz centenas de discursos, milhares de artigos, mais de cem projetos de lei, além das 21 sancionadas. Fiquei reconhecido nacionalmente como o obstinado “Senador da Educação”; fui candidato a presidente da República com a bandeira “educação é progresso”.

Mas, apesar de reconhecido nacionalmente pelas realizações e posições como “senador realizador, combativo, coerente, honesto, corajoso”, cheguei ao final do segundo mandato com a frustração de não ter conseguido realizar ainda os sonhos que tinha ao entrar na luta política.         

Não consegui convencer os demais congressistas nem a população de que a educação de qualidade igual para todos é o caminho para fazer um país eficiente e justo, com alta renda e boa distribuição; também não consegui convencer que isso exige a substituição do atual sistema escolar municipal por um sistema federal. Tampouco que para construir justiça social é preciso caminhar sobre uma economia eficiente; que, por isso, é necessário fazer reformas nas relações trabalhistas, na previdência, na responsabilidade fiscal; e que esta eficiência deve respeitar o equilíbrio ecológico e a estabilidade monetária. 

Apesar dessas frustrações, não desisti; disputei as eleições de 2018 para um novo mandato. Busquei a reeleição pelo reconhecimento da população aos resultados de meu esforço no passado. Mas o eleitor queria renovar seus representantes e escolher políticos com uma “nota só”: contra a violência, o crime e a corrupção. Apesar de meus discursos, projetos de lei e meu comportamento me colocarem entre os mais comprometidos com a ética e a segurança, sou identificado como senador de outra “nota só”: a educação. 

Terminado o mandato, com uma agenda mais aliviada e gratificante, continuarei no mesmo endereço de quase 40 anos atrás, na Asa Norte; com as mesmas atividades de professor e escritor, com os mesmos sonhos que me trouxeram para o Senado. Não vejo outro propósito para os anos que me restam do que continuar tentando, em outras frentes (inclusive esta, Correio Braziliense), construir um Brasil democrático, justo, eficiente, sem pobreza e com sua riqueza bem distribuída; sem violência; com uma política sem corrupção, mentira ou demagogia; com desenvolvimento sustentável ecológico e monetariamente. 

Para mim, isso só será possível com a excelência na qualidade da educação nacional, colocando-a nos padrões das melhores do mundo; e a garantia da mesma qualidade escolar para cada criança, independentemente da renda e do endereço da família. Para tanto, continuarei defendendo a substituição dos atuais quase seis mil sistemas municipais sem qualidade por um sistema nacional de educação de base com qualidade, respeitando a descentralização gerencial e a liberdade pedagógica. 

O Brasil pode, o Brasil precisa, o Brasil sabe como fazer para ter excelência educacional e para garantir aos filhos dos mais pobres o direito à mesma escola que os filhos dos mais ricos, como ocorre em tantos outros países. Ainda não consegui, mas continuarei tentando.

Lutei por isso antes de ser senador, sendo senador, lutarei depois de ser senador. Quem olha para o futuro não se despede. Por isso, não vejo razão para me despedir do Senado, ele é apenas uma trincheira em uma luta que vem de antes e continuará depois. Olho o futuro e me vejo continuando ainda na luta. Agradeço ao eleitor que me trouxe à trincheira parlamentar e ao eleitor que teve suas razões ao me deslocar para outras trincheiras. 

Cristovam Buarque é senador pelo PPS-DF e professor emérito da Universidade de Brasília (UNB)

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