Populistas X
humanistas
*Por Cristovam
Buarque
Dificilmente um prefeito convence seus eleitores a elevar hoje o preço
da gasolina, para evitar que o nível do mar suba no final do século. Ainda que
tivessem solidariedade com as próximas gerações, os eleitores sabem que o
problema climático é planetário, não é provocado apenas pelos carros de sua
cidade.
Com seus interesses locais e visão de curto prazo, o eleitor de um país
não representa a humanidade, de hoje e do futuro. Promessas de emprego, renda e
consumo no presente representam melhor a vontade dos eleitores do que a ideia
de salvar a Terra no futuro. Por isso, quando os governantes elaboram pactos
internacionais, eles têm dificuldades em ratificar e cumprir essas decisões por
seus eleitores, na hora em que os sacrifícios ficam conhecidos.
O mesmo ocorre com outros problemas do mundo global, como a imigração. O
fechamento de fronteiras atrai mais apoio do que a proposta de aceitar
imigrantes. Os eleitores não gostam de sacrifícios para proteger o meio
ambiente, nem medidas de abertura de fronteiras para receber imigrantes que vão
ocupar suas ruas, seus empregos, suas escolas. Para o eleitor, “nós” representa
a família, a cidade ou o país, não a humanidade e o planeta.
Daí a dificuldade em obter simpatia popular para acordos como de Paris,
sobre meio ambiente, e o de Marrakech, sobre migração, assinados por
presidentes nacionais que serão substituídos por novos presidentes, quase
sempre com ideias contrárias, quando os eleitores elegem populistas
nacionalistas. A democracia, nacional e imediatista, não tem visão de longo
prazo, nem é solidária internacionalmente: não é humanista.
Mesmo autores que falam dos riscos da democracia analisam a fragilidade
do regime democrático na ótica dos problemas internos dos países, e não pelo
fato de que a democracia não oferece solução para os problemas contemporâneos,
globais e de longo prazo. Para estes autores, os problemas da democracia
decorrem da maneira como líderes e partidos agem em suas disputas internas; não
porque o Planeta e a Humanidade se transformaram em temas políticos, não mais
apenas filosóficos, ainda que os eleitores não captam o novo sentimento e a
nova lógica. A democracia ficou atrasada em relação aos avanços tecnológicos e
sociais em escala global. Os limites nacionais das regras democráticas não
permitem cuidar, de maneira plena, dos limites da ecologia, nem da expansão da
migração.
Por isso, o debate político não está mais entre as velhas “direita” e
“esquerda”, mas entre utópicos humanistas e populistas pragmáticos. E estes
tendem a ganhar, até quando a pedagogia da catástrofe transformar o eleitor
provinciano em um humanista. Mas quando isto acontecer, já pode ser tarde.
Para enfrentar a crise ambiental, não bastam a cidadania e a democracia,
inventadas para administrar cidades. Para cuidar desse Novo Mundo será preciso
criar um sentimento de “planetania”, que vá além da cidadania, e uma prática de
“humanocracia”, que vá além da democracia. Mas o futuro visível não nos permite
prever um eleitor globalizado em uma democracia planetária. A “humanocracia”
vai exigir respeitar o voto do eleitor local e imediatista, mas sob um escudo
humanista, contando com valores éticos universais que pairem acima das decisões
eleitorais nacionais e imediatistas: o equilíbrio ecológico, a sobrevivência
das espécies, a sustentabilidade do processo produtivo e de consumo, a
solidariedade humana, independentemente da nacionalidade.
(*) Cristovam Buarque: Senador
pelo PPS-DF e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) –
Foto/Ilustração: Blog – Google