Depois de uma vistoria, Ibaneis determinou rigor no combate à grilagem:
"Quero colocar na cadeia esses incentivadores que sobrevivem à custa da
exploração dos menos favorecidos"
Ibaneis quer ampliar investigações de grilagemDepois de sobrevoar
ocupações irregulares, governador anuncia que a Polícia Civil vai criar unidade
especializada na apuração desse tipo de crime. Entre as áreas que preocupam,
estão o Taquari e o Assentamento 26 de setembro
*Por Caroline Cintra
O governador Ibaneis Rocha (MDB) anunciou ontem que vai criar uma
delegacia especializada no combate às invasões de terras públicas. A declaração
foi feita após sobrevoo na capital identificar áreas consideradas focos de
grilagem, como Varjão, Planaltina, São Sebastião, Riacho Fundo, Samambaia,
Taguatinga e Estrutural.
Nessas localidades, há quatro regiões alvo de invasão que preocupam os
gestores públicos: o Setor Habitacional Taquari, o Morro da Cruz, o Assentamento
26 de setembro e a Área de Relevância de Interesse Ecológico (Arie) JK. As
áreas pertencem à Terracap e, desde 2009, técnicos da agência monitoram a
movimentação nessas regiões, consideradas rurais. Com o tempo, acabaram sendo
parceladas em busca de urbanização e legalização.
No início deste ano, os técnicos da Terracap vão intensificar o
monitoramento, não apenas nessas quatro regiões, como em outras invasões de
terra no DF. Em entrevista ao Correio, publicada sábado, o presidente da
Terracap, Gilberto Occhi, citou três projetos do GDF para evitar a expansão dos
parcelamentos: vigilância frequente; urbanização para investimentos; e criação
de 12 mil unidades habitacionais, contratadas pelo governo em parceria com a
Caixa Econômica Federal (CEF).
A ideia é aumentar a oferta de moradia, para evitar a ocupação
irregular. “A consolidação das novas unidades habitacionais será em um
condomínio na área do Itapoã e do Paranoá, com oportunidade de moradia digna e
de maneira organizada, além da preparação de mais 24 mil empreendimentos
habitacionais”, detalhou Gilberto, reforçando uma das propostas de governo de
Ibaneis Rocha (MDB). “A regularização fundiária permite equilíbrio ambiental de
maneira sustentável a médio e longo prazo”, destacou.
Medida de urgência
De acordo com o secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, a
ideia de criar uma delegacia para atender casos de ocupações ilegais já havia
sido tratada com o governador, mas, até então, não era uma ação considerada
emergencial. Após a vistoria feita ontem, a medida deve ser tomada nos próximos
dias. “Hoje identificamos vários focos de invasão no DF e isso nos preocupou
bastante. Alguns deles são muito organizados, não apenas simples invasões”,
disse o secretário.
Ele afirma que a grilagem está ligada diretamente com a segurança, no
entanto, também preocupa outros setores públicos. “Quem faz isso está cometendo
um crime. E não envolve apenas segurança pública, outras questões também devem
ser levadas em consideração, como o meio ambiente. É um crime ambiental”,
enfatizou Torres.
A delegacia funcionará dentro do Departamento de Polícia Especializada
(DPE) da Polícia Civil do DF. No entanto, a inauguração ainda não tem data
definida. Segundo o secretário de Segurança Pública, essa parte vai depender de
uma conversa com o diretor-geral da PCDF, Robson Cândido, que deve acontecer
esta semana. “Por trás delas (invasões) há uma indústria. Quero colocar na
cadeia esses incentivadores que sobrevivem à custa da miséria e da exploração
dos menos favorecidos”, disse Ibaneis ao Correio.
A medida foi anunciada num momento em que a Polícia Civil tenta resolver
uma outra questão de estrutura: a abertura durante 24 horas de todas as
delegacias do DF, promessa de campanha de Ibaneis. Duas das 15 unidades que fecham
as portas a partir das 19h voltaram a funcionar em horário integral há duas
semanas. São elas: a 11ª Delegacia de Polícia (Núcleo Bandeirante) e a 19ª DP
(Ceilândia), na região do Sol Nascente
Além do secretário de Segurança Pública, estiveram com o governador na
vistoria, os secretários da Casa Civil, Eumar Novack, de Projetos Estratégicos,
Everardo Gueiros, e o presidente da Agência de Fiscalização (Agefis), Georgeano
Trigueiro.
Combate
Com o intuito de diminuir o número de áreas invadidas no DF e alertar a
população, no site da Agefis tem um mapa que informa as áreas de prioridade no
combate à grilagem na capital. As regiões foram definidas por órgãos do GDF,
levando em consideração locais onde existem indícios de grilagem ou
parcelamento irregular do solo, entre outros espaços que precisam ser
protegidos para garantir a qualidade de vida dos brasilienses.
No mapa, as áreas são marcadas em vermelho, indicando a prioridade no
combate à grilagem, e amarelo, locais passíveis de regularização, podendo
construir apenas apresentando o alvará de construção. O mapa é atualizado
periodicamente e sempre que surgem novas áreas ocupadas irregularmente.
De acordo com a Agefis, 517 loteamentos estão em fase de regularização,
em 22 setores habitacionais. Quando existe o foco de ocupação irregular,
ocorrem operações de derrubadas. Só no ano passado, a agência realizou 398
ações de demolição de estruturas em terras públicas.
Histórico
Em 2017, o Correio publicou a série “Brasília Confidencial”, com base em
acervos abertos pelo Ministério Público do DF. Os dados revelam que há mais de
30 décadas foram iniciadas as invasões de terra no DF. Documentos da Secretaria
de Segurança Pública, mantidos sob sigilo desde os anos 1980, mostram que a
origem dos movimentos pela casa própria tiveram início paralelamente à atuação
de grileiros em várias cidades. Os arquivos detalham os bastidores do
surgimento de políticos que alavancaram carreiras à custa do sonho de moradia
de milhares de brasileiros.
Na época, iniciaram movimentos em defesa da criação de novos
assentamentos. Inclusive, muitas cidades do DF, são frutos dessas organizações.
Anos depois, pressionado por lideranças do setor, o então governador Joaquim
Roriz criou regiões como Recanto das Emas e Samambaia.
A Secretaria de Segurança Pública interrogou integrantes de entidades,
que defendiam os invasores, identificados como possíveis grileiros ou líderes
de invasões. Nos anos 2000, o nome do ex-deputado José Edmar apareceu como um
dos envolvidos com a invasão de terras em cidades como Taguatinga. As
informações são de investigações da época.
De lá para cá, o nome de políticos apareceu em polêmicas de invasões de
terras. Em 2012, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
divulgou um levantamento em que mostrou que, nos 25 anos anteriores, ajuizou
648 ações contra grileiros, que envolviam mil réus. Entre os envolvidos, há
figuras como o ex-deputado distrital Pedro Passos e os irmãos dele, conhecidos
personagens da mistura de política e exploração de terras. Eles tentaram
construir um parcelamento entre as quadras QI 27 e 29 do Lago Sul.
Análise da notícia - Uma delegacia e muito mais
Análise da notícia - Uma delegacia e muito mais
Por Ana Maria Campos
Quem tem até 24 anos nem tinha nascido quando a Câmara Legislativa
concluiu o primeiro relatório sobre grilagem de terras no DF. Em 1995,
foi realizado um raio X sobre os parcelamentos ilegais que apontou os notórios
grileiros, no auge, abrindo matas e erguendo casas descaradamente, sob a
conivência ou omissão das autoridades públicas. De lá para cá, o ritmo de
construções foi reduzido até porque não há mais tantas áreas limpas para
ocupar, dividir ruas e demarcar lotes.
Os condomínios de classe média e alta agora estão em outra a fase, a
regularização, já que não passa na cabeça de ninguém no poder desfazer o que os
grileiros criaram no passado.
Mas em áreas de baixa renda, algumas de proteção ambiental, ainda há
muitas invasões. Esse é um problema crônico na capital do país. Por isso, a
iniciativa de criar uma delegacia especializada no combate a ocupações
irregulares é bem-vinda. Mas não basta entregar o trabalho a policiais, sem
medidas de apoio.
Em primeiro lugar, a Polícia Civil precisa trabalhar com independência
para investigar os grileiros. Todos sabem que historicamente esses criminosos
agem, muitas vezes, com apoio de políticos com mandatos. E tem mais: com penas
tão brandas, previstas em lei, de um a quatro anos de reclusão, e lucros tão
elevados, parcelar terras é um crime que compensa. Projetos em discussão no
Congresso preveem o aumento da punição. Mas a alteração legal ainda não saiu do
papel.
Para que não seja uma medida apenas política, é preciso também delimitar
exatamente as atribuições da nova delegacia, sem choques com o trabalho que
hoje já é realizado pela Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (Dema). Quem
sabe o caminho seja criar uma super Dema, com mais estrutura. E também é
fundamental o monitoramento, um trabalho que a Agefis precisa incrementar.
Vilão na última campanha, o órgão se tornou a “Geni” aos olhos de vários
candidatos, justamente por impedir ocupações irregulares.
(*) Caroline Cintra - Fotos: Renato Alves/GDF - Correio Braziliense