Presidente
da OAB/DF fala sobre pacote anticorrupção e relação com governo Ibaneis
Qual é a
sua avaliação sobre o pacote anticorrupção elaborado pelo ministro da Justiça e
Segurança Pública, Sergio Moro? A corrupção é um problema grave que deve ser combatido de forma veemente e
intransigente. O pacote encaminhado ao Congresso pelo Ministério da Justiça
traz, obviamente, muitos pontos positivos para modernizar a legislação criminal
arcaica hoje vigente em nosso país, mas tenho muito medo dessas legislações de
ocasião, geradas em gabinetes fechados, sem que seja debatido com os demais
personagens do sistema jurídico. Ademais, existem alguns pontos muito sensíveis
à advocacia, sendo inaceitável a pretensão de gravar as conversas entre
advogado e cliente, sob pena de acabar com a garantia básica atinente a cada
pessoa de exercer de forma ampla sua defesa. Espero que o Congresso convoque a
advocacia, a magistratura, o Ministério Público, entidades representativas e a
academia para opinarem e contribuírem com outros pontos de vista. Nós, da
OAB/DF, já criamos uma comissão especial para estudar as modificações e
apresentar eventuais sugestões de emendas, formada por colegas de várias
comissões da Casa.
Avaliando
ponto a ponto, qual é a sua opinião sobre a possibilidade de execução da pena a
partir da condenação em segunda instância? Minha opinião é antiga. Há textos legais que não
guardam espaço para interpretação por parte do Poder Judiciário, sendo certo
que nesse ponto a Constituição Federal é de clareza inigualável ao dispor que
ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal
condenatória, ou seja, para prender antes de chegar a esse final impõe-se que
se altere o texto constitucional, o que só pode, eventualmente, ser feito por
meio de um processo legislativo adequado.
E da
prisão logo após a condenação pelo Tribunal do Júri? Da mesma forma vejo com muita
preocupação. Embora o STF esteja entendendo que, em atenção à soberania do
júri, a decisão colegiada nele proferida possua o condão de já encaminhar o
início de cumprimento da pena, existem outras garantias com mesmo patamar
constitucional como o devido processo legal, a presunção de inocência e o duplo
grau de jurisdição, que devem da mesma forma ser observadas, ressaltando-se
sempre que o Tribunal do Júri é formado por pessoas leigas, o que torna a decisão
mais suscetível a equívocos e, portanto, deve ser analisada pelo Poder
Judiciário, ao menos em um segundo grau de jurisdição.
Acha
justo o excludente de ilicitude para que policiais sejam isentos de pena em
casos de legítima defesa? Respeito
muito os policias e penso que merecem muito mais reconhecimento do que hoje
possuem, porém vejo com grande preocupação essa carta branca de atuação em que
se consubstancia essa medida. A excludente de ilicitude já existe na nossa
legislação e deve ser apreciada em cada caso concreto, sendo inconcebível que
seja generalizada, sob pena de incentivar ainda mais abusos do que os hoje
existentes, especialmente nas regiões mais pobres, com criminalidade mais
problemática.
E a
chamada plea bargain? Trata-se, para mim, da mais
polêmica das alterações. Importada da legislação americana de forma incompleta
e em outro contexto social, ela deveria ser debatida de forma ampla e
democrática, pois altera toda a base do sistema, mas só para crimes de
potencial ofensivo pequeno, ou seja, não terá o efeito pretendido de punição de
poderosos e servirá, isso sim, para aumentar ainda mais a quantidade de presos
no país (só os pobres, já clientes do sistema). Para além disso, concentrar
tanto poder nas mãos de uma mesma instituição – Ministério Público – faz pender
perigosamente a balança da justiça para um mesmo lado, pois o mesmo órgão
investigar, acusar e depois negociar e firmar o acordo a ser imposto à parte
não me parece o caminho adequado.
Criminalistas
perderão recursos de defesa de seus clientes com o pacote anticrime do Moro? Penso que
a discussão seja muito maior que isso. Quem sofre não é a advocacia, que se
adaptará sempre ao que for previsto em lei, mas o jurisdicionado, que na ponta
é quem efetivamente sofre com a supressão de direitos.
Em um mês
de trabalho à frente da OAB/DF, o que já foi possível fazer? O
primeiro mês foi dedicado especialmente a questões administrativas essenciais e
visitas institucionais. Promovemos a análise e revisão de contratos e adequação
de procedimentos. Cito, por emblemático que é, a revisão do contrato de
comunicação que existia entre duas empresas e a OAB, pois com a nova
contratação (após ouvir 12 empresas interessadas na prestação dos serviços),
reduzimos os custos de aproximados um milhão e duzentos mil reais para
quatrocentos e cinquenta mil reais anuais, sendo mantido o mesmo objeto da
prestação de serviços, ou seja, mais ou menos 60% de economia do dinheiro dos
advogados. Com isso, já demos o exemplo do cuidado que tomaremos com o dinheiro
da OAB. Para além disso, fizemos várias visitas a órgãos de todos os poderes,
com pleitos especialmente voltados à defesa das nossas prerrogativas; reduzimos
a anuidade do jovem advogado, que hoje é a mais baixa do país; criamos comitês
para tocar propostas de modernização informática de serviços, aproximação da
OAB com as subseções e implementação de transparência para que a advocacia
saiba como é gasto seu dinheiro; criamos um sistema de controle e interação das
comissões da OAB, para que os grandes temas da sociedade sejam debatidos dentro
da Ordem e nós voltemos a ser protagonistas da sociedade civil. Enfim, estamos
trabalhando muito para fazer o melhor pela advocacia e sociedade.
E a
relação com o governo Ibaneis, como está? Tive uma reunião de cortesia com o Governador e a
relação institucional será sempre cordial. Tenho a impressão que ele, assim
como nós na OAB, está em fase de adaptação. Percebo muita vontade de fazer e
estaremos prontos para ajudar no que for possível. Em relação a dois pontos
específicos, a Ordem já foi levada a se manifestar em defesa da sociedade: a
questão da saúde, quando entendemos que a forma como a questão foi encaminhada,
sem apresentar estudos de impacto, custos e gastos, atropelou a forma que temos
como apropriada para mostrar transparência à população; e o suposto fim do
passe estudantil, uma conquista histórica que caso o governo não voltasse atrás
ainda antes do encaminhamento ao Poder Legislativo, prejudicaria milhares de
estudantes que necessitam do benefício. Tanto em uma quanto na outra questão, a
Ordem se manifestou e, mais que isso, além de criar a discussão interna se
ofereceu ao GDF para ajudar no que puder. Assim será sempre, sem omissões,
sendo parceira nos bons projetos, mas crítica quando necessário for.
A OAB colaborará
com o governo? A Ordem deve ser, e assim será na
nossa gestão, apartidária, fazendo sempre tudo que possível em defesa da
advocacia e da sociedade. Nossa Casa possui assentos em vários conselhos do GDF
e de outras instituições para que possamos participar, de forma voluntária e
sem remuneração, das discussões, propor políticas públicas de qualidade e
sobretudo fiscalizar os atos públicos. Além disso, criamos uma comissão de
controle dos gastos públicos, a fim de contribuir com a necessária
transparência das contas do governo e do legislativo. A maior “colaboração” da
Ordem com o Estado, portanto, é atuar de forma isenta e independente em favor
da sociedade.
Por Ana Maria Campos – Foto: Breno Fortes/CB/D.A.Press – Correio
Braziliense
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POLÍTICA