Cláudio Queiroz, amigo: "genialidade imensurável"; Cláudio
Arantes, do Ceplan, com projetos do arquiteto - Os murais de Niemeyer - Prédio que leva o nome do arquiteto guarda
dezenas de desenhos dele, desde a época da construção da UnB. Muitos estão
registrados nas paredes
*Por Patrícia Nadir
Relatos contam que em 1962, em um galpão de madeira, Oscar Niemeyer
desenhava a Universidade de Brasília dos seus sonhos. O mestre dos principais
monumentos da capital federal não gostava de lembrar da época em que foi
professor da UnB, nos anos 1960. Talvez pela forma como a estadia dele pelo
câmpus terminou. Em 1965, em um ato contra o regime militar, ao lado de 222
docentes, ele pediu demissão.
Hoje, o Centro de Planejamento Oscar Niemeyer (Ceplan), instalado na
instituição, guarda dezenas de croquis do mestre. Em sua maioria, nunca
chegaram a ser concretizados. “Depois que ele foi embora, muitos trabalhos
idealizados se perderam, infelizmente. Inúmeras coisas que nunca teremos
noção”, constata Cláudio Arantes, arquiteto do Ceplan.
O centro é responsável pelo planejamento físico e ambiental de todos os
câmpus da UnB. Localizado no Pavilhão de Serviços Gerais 10, o próprio edifício
foi projetado por Niemeyer. “É uma construção com a marca do arquiteto, com
espaços inteligentes que se articulam”, aponta Arantes. O local é aberto para
visitação, mas os desenhos ficam guardados em mapotecas — armários onde os
materiais são catalogados, guardados e preservados.
Já as paredes do Ceplan são agraciadas com esboços de algumas
obras-primas do arquiteto. O desenho da Praça Maior, por exemplo, é um dos
projetos que estão expostos no prédio. Os traços do croqui mostram o que, na
cabeça do mestre, seria a essência da universidade. A ideia consistia em quatro
prédios fundamentais: Biblioteca Central, Reitoria, Museu da Civilização
Brasileira e Aula Magna — um anfiteatro para congressos, seminários e aulas
temáticas.
“Niemeyer tinha o que chamávamos de mão livre, que significa desenhar
como a mão antes de pegar o grafite. Era de uma generalidade imensurável, cada
lugar onde imaginava cada coisa era específico”, aponta Cláudio Queiroz, amigo
do arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). Ele
trabalhou como assistente de Niemeyer na Argélia por nove anos, de 1973 a 1984.
Outro projeto que também está exposto em paredes contíguas ao jardim do
Ceplan é a ideia inicial de um dos principais prédios acadêmicos da UnB, o
Instituto Central de Ciências (ICC), popularmente conhecido como Minhocão.
Considerado a espinha dorsal do câmpus, o ICC tem 120 mil metros quadrados de
área e 720 metros de extensão. “É fruto de uma concepção audaciosa e, apesar de
suas dimensões imensas, surpreende pela discrição de sua presença na paisagem.
Ainda hoje não está totalmente acabado, se considerarmos o que o Niemeyer
imaginou”, esclarece o amigo Cláudio Queiroz.
Na parede em frente a um dos acessos, há outro desenho de autoria de
Niemeyer, uma pomba com os dizeres: paz, paix, peace, mir, pax, frieden. Apesar
de serem traços muito iniciais dos projetos, os desenhos expostos no Ceplan
instigam servidores e alunos. Bruno Lopes Vasconcelos, 22, decidiu cursar
arquitetura depois de uma visita escolar ao centro. “Lembro que não entendi
muito o que representavam na época, mas não conseguia parar de olhar. São
desenhos de obras de um gênio”, comenta o morador de Taguatinga, que cursa o
quinto período do curso na UnB.
Centro de Planejamento tem esboços do mestre nas paredes e arquivos
guardam diversos projetos, alguns deles que nunca saíram do papel
Legado
“O Oscar era uma máquina de fazer projetos. Tinha uma imaginação que
pouquíssimos têm a sorte de ter”, comenta o professor José Carlos Coutinho,
docente aposentado da FAU. No Ceplan, há um auditório numa área semienterrada
que conta com uma parede com o croqui da Praça dos Três Poderes. Coutinho
lembra de um episódio, ocorrido em 1974, em que Lucio Costa foi palestrar no
local na primeira vez que voltou a Brasília depois da inauguração da capital
federal. “Lembro que tinha um jovem na plateia que fez alguma crítica a capital
e o Costa rebateu. Depois, o estudante comentou algo do tipo: ‘É difícil falar
da obra com o criador vivo’. Daí, tomado com uma espiritualidade invejável, ele
respondeu: ‘Não por muito tempo’. Ele já tinha mais de 70 anos na época. O
auditório todo explodiu em risadas depois disso”, relembra.
À época em que surgiu, em 1962, o Ceplan era o Centro de Estudos e
Planejamento Arquitetônico e Urbanístico. Depois, em 1979, virou Laboratório
Experimental de Arquitetura e Urbanismo (LEAU), vinculado ao Instituto de
Arquitetura e Urbanismo. As atividades, porém, permaneceram basicamente as
mesmas. No ano de 1986, é retomada a sigla Ceplan, com a denominação de Centro
de Planejamento Oscar Niemeyer.
Maria Eduarda Pereira, 24, é uma das estudantes de arquitetura
admiradoras dos desenhos expostos nas paredes do prédio. Ela ingressou na
universidade há três anos e, sempre que sobra um tempinho, gosta de contemplar
os croquis expostos. “É estimulante passar por um espaço que tem tanto do Oscar
Niemeyer. Ao lado de outras mentes fomentáveis, nasceu a nossa universidade. É
uma pena mesmo muitos projetos não terem se concretizado”, constata.
Visite
Interessados em realizar uma visita ao Ceplan para conferir os projetos
idealizados pelo arquiteto e que estão expostos nas paredes precisam agendar
uma visita com antecedência. O local fica aberto das 7h30 às 19h30. Telefone:
(61) 3107-1118.
"Arquitetura não constitui uma simples questão de engenharia, mas
uma manifestação do espírito, da imaginação e da poesia” .(Oscar Niemeyer, arquiteto).
"Pena que a mediocridade e a inveja tenham privado Brasília da
maior parte do que Oscar projetou para a universidade. Penso, principalmente,
na Praça Maior, que hoje poderia estar atraindo tanta atenção quanto a Praça
dos Três Poderes” . (Darcy Ribeiro, antropólogo e
primeiro reitor da UnB).
(*) Patrícia Nadir - Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press - Correio
Braziliense