Brasília Góis, aos 10 anos:
considerada a primeira pessoa nascida na capital
O(s) primeiro(s) brasiliense(s) Entre registros
oficiais e relatos orais sobre a história da cidade, apontar qual foi a
primeira pessoa nascida em Brasília não é uma tarefa simples
*Por Deborah Fortunas
Para poucas
cidades, a chegada de uma criança foi tão importante quanto para a Brasília que
nascia em 21 de abril de 1960. Idealizada, projetada e depois construída em
meio ao cerrado, a obra de Juscelino Kubitschek, Oscar Niemeyer, Lucio Costa e
milhares de candangos precisava se encher de gente para existir de fato. E nada
mais simbólico para aquele momento que o primeiro bebê vindo à luz na nova
capital.
Ciente da forte
mensagem que passaria para o resto do Brasil, JK fez questão de anunciar os
primeiros nascidos na cidade, chegando até mesmo a se tornar padrinho de alguns
desses bebês, como fez com Brasília Maria Costa Góis, nascida na manhã da
inauguração, por volta das 6h15. O prestígio dado pelo presidente, aliado ao
fato de ela ter recebido o mesmo nome da capital, faz com que muitos afirmem,
com convicção, que ela é a primeira brasiliense. No entanto, não é tão simples
assim apontar qual foi a primeira pessoa a nascer no Plano Piloto.
E o motivo é
simples. Com, literalmente, poucas horas de vida, Brasília não estava
devidamente estruturada. Nada mais compreensível, portanto, que a documentação
da época seja pouco confiável. “É difícil comprovar os nascimentos daquele ano
porque não há muitos registros. Não dá para saber, na verdade”, explica João
Carlos Amador, publicitário e um dos maiores pesquisadores sobre a história da
capital. “Muitos candangos iam embora ou nem tinham documentos. Não havia controle,
ainda mais de quem nascia aqui. E, quando se registrava oficialmente em
cartório, era apenas anos depois”, completa o criador da página no Facebook
Assim é Brasília.
Essa prática de
registrar o nascimento de uma criança anos depois foi responsável pela sensação
de injustiça que acompanhou Araguasselva Lira Fernandes Paniago durante toda a
vida. Essa brasiliense conta que nasceu nos primeiros minutos de 21 de abril de
1960, na Vila do IAPI, no Núcleo Bandeirante. “Eu me lembro de minha mãe, já
falecida, dizendo que era possível ver os fogos de artifício na hora em que
estava parindo”, diz.
O problema é que o
pai de Selva, como gosta de ser chamada, só a registrou quatro anos depois. E,
quando o fez, informou que a data de nascimento era 20 de abril, conforme
consta na certidão da hoje pastora. Sem o documento correto e sem a visita de
JK, ela diz que passou a infância se sentindo triste com a atenção que via
sendo dada a Brasília, a outra menina nascida no dia 21 e que veio a falecer em
2016, aos 56 anos. “Eu ficava entristecida porque eu poderia ter sido a
primeira brasiliense, mostrada e chamada assim”, revela.
Fogos marcam a virada de 21 de
abril de 1960: relatos falam de duas crianças nascidas nesse momento
Brasiliano
Porém, mesmo que
Selva conte que nasceu quando explodiam os fogos que anunciavam a virada do dia
20 para o 21 e marcavam o nascimento oficial da cidade, não é certo que ela
seja mesmo a primeira criança a nascer na capital. Na história oral
brasiliense, consta ainda outra criança nascida em meio ao foguetório:
Brasiliano Pereira da Silva, vindo ao mundo em uma casa na mesma Vila do IAPI
onde nasceu a pastora. “Assim que os fogos começaram a estourar, minha mãe
entrou em trabalho de parto. Deu para ver tudo de casa”, contou Brasiliano, em
entrevista ao Correio, em 2010. Como sua conterrânea Brasília, Brasiliano
também foi visitado e apadrinhado por Juscelino, tornando-se conhecido como o
primeiro menino a nascer na cidade.
Se a verdade, no
entanto, é que talvez nunca se tenha certeza de quem seja o primeiro
brasiliense, um fato é certo: passados 59 anos, Brasília, a cidade, contabiliza
mais de 3 milhões de habitantes. Tornou-se a capital viva e pulsante pela qual
Juscelino lutou e registra, segundo a Companhia de Planejamento do Distrito
Federal (Codeplan), mais de 44 mil nascimentos por ano. A cada dia, nascem 120
brasilienses, que estão aqui porque, antes deles, vieram Brasília, Brasiliano,
Selva e tantos outros. Sejam os primeiros brasilienses ou não, esta capital
deve a eles sua existência. E certamente lhes agradece.
A família de Selva sempre contou
a ela que seu nascimento aconteceu na madrugada de 21 de abril: erro na
certidão
Transferência dos
Poderes
À 0h de 21 de
abril de 1960, o céu de Brasília se encheu de fogos de artifício. Segundo João
Carlos Amador, foram três dias de inauguração, mas naquele momento Brasília foi
considerada oficialmente inaugurada e os Poderes, transferidos para a nova
capital. Tocaram-se sinos e soltaram-se fogos de artifício.
Brasiliano mostra a certidão de
nascimento: uma das crianças apadrinhadas por JK
Confusão de registros
A história de Brasília é tão repleta de detalhes
curiosos que nem mesmo apontar qual foi a primeira criança cujo nascimento foi
registrado na cidade é tarefa simples. Esse título já coube a outra afilhada de
JK, Jussara Maria Oliveira Santos, que teve o nome foi escolhido por ser a
junção de Juscelino e Sarah, a primeira-dama do Brasil à época.
De fato, ela é dona da primeira certidão emitida
pelo 2° Ofício de Registro Civil e Casamentos, em novembro de 1960. No entanto,
pouco depois de ser inaugurada, a capital ganhou dois cartórios. E, no 1°
Ofício de Registro Civil e Casamentos, uma menina foi registrada antes de
Jussara: Eliana Alves Franco, cujo nascimento em 3 de junho de 1960 ganhou
certidão no dia 25 daquele mesmo mês.
“Meu pai teve que esperar abrir um cartório para
poder me registrar”, conta ao Correio Eliana, filha do carioca Luiz Fernando de
Andrade Franco e da portuguesa Olívia Alves Franco, que haviam chegado a
Brasília em 1959. Apesar de ter se mudado para o Rio de Janeiro aos 18 anos,
Eliana guarda na memória os tempos de criança. “A lembrança fica. Minha
infância foi maravilhosa. Tinha muita liberdade, e a cidade era muito bonita.
Todo mundo se conhecia aí”, recorda. (DF)
Nascido na cidade livre
Antes de ser inaugurada, Brasília se
tornou o lar de muitos brasileiros que ajudaram a construí-la. Acomodados
principalmente na Cidade Livre, os candangos rasgavam o cerrado, davam forma à
nova capital e também formavam famílias. Se o critério adotado para apontar
alguém como o primeiro brasiliense for ter nascido na área que hoje abriga o
Núcleo Bandeirante, o título deveria ser de José de Moura Filho, nascido na
madrugada de 12 de junho de 1957, filho dos goianos Malvina de Araújo Brito e
José de Moura Brito. Em 2006, o Correio conversou com José e sua mãe, que
contou ao jornal: “O moço (do carro de som) passou anunciando: ‘Primeiro bebê
nascido na Cidade Livre’. Eu fiquei toda contente”.
(*) Deborah Fortunas – (Colaborou Fernando Jordão) – Fotos:
Arquivos/CB/D.A.Press – Wallace Martins/CB/D.A.Press – Adauto Cruz/CB/D.A.Press
– Correio Braziliense