Os candangos pisaram na Lua
muito antes que os astronautas. Nos primeiros anos, Brasília era tão
fantasmagórica quanto o solo lunar. Yuri Gagarin achou que era “um planeta
diferente” (Por Conceição Freitas)
Quando os modernos rasgaram o
cerrado em solo 1,1 mil metros acima do nível do mar, surgiu um deserto
vermelho, como se a Lua brotasse de dentro da Terra, com a diferença de que a
terra lunar é branca, cor dos raios solares refletidos no chão.
A paisagem do começo de Brasília estourava no peito
como se os candangos fossem todos astronautas. Era como se pousassem na Terra
pela primeira vez, como Neil Armstrong e Buzz Aldrin desceram a escadinha para
pousar na Lua. Havia uma solidão estrangeira, cosmonáutica, uma inexistência de
gente, bichos, árvores, casas. Era um nada sem nome acordando de um sono
eterno.
Estranho deserto vermelho suspenso em chapadões
abertos para o universo. Foi sobre solo lunar que Lucio
Costa desdobrou o Plano Piloto – ele mesmo dizia que aqui não havia
paisagem. Até hoje, quase 60 anos depois, Brasília é uma Lua de desconcertos, à
espera de significados
Há quem concorde comigo e não é qualquer um. Quando
pisou em solo candango, o cosmonauta russo Yuri Gagarin se viu de novo fora da
órbita terrestre: “A ideia que tenho é a de que estou desembarcando num planeta diferente, que não a Terra”, ele disse a
Juscelino em 29 de julho de 1961. Fazia 107 dias que ele havia dado a volta em
torno do planeta. O primeiro homem a nos olhar com os olhos de Deus.
Impactante documentário sobre os 12 astronautas que
desceram em solo lunar, Na Sombra da Lua mostra que a experiência de romper a
órbita terrestre, atravessar a escuridão e descer num bola deserta mudou a vida
de todos eles – alguns se perderam no álcool, outros viraram religiosos
extremos e houve quem experimentasse uma epifania cósmica.
Um deles, não me lembro o nome, conta que da nave
viu ao mesmo tempo a Terra, o Sol e a Lua flutuando em fundo negro. Sentiu
então que tudo o que existia, inclusive ele e seus companheiros, e até mesmo a
pele fria do aço do foguete, tudo era uma coisa só, tudo feito da mesma
molécula, uma unicidade. Viveu a completude num instante, diz.
O sorridente Yuri Gagarin tinha 26 anos quando viu
a Terra como nenhum homem antes tinha visto (“É azul!”). O cosmonauta russo
matou de inveja os americanos e acelerou a corrida espacial. Desde aquele 12 de
abril de 1961, eles ficaram loucos, insanidade que matou muito astronauta em
explosões monumentais de foguetes no cabo Canaveral.
Gagarin morreu muito jovem, aos 33 anos, num
acidente durante um voo experimental. A Lua tem uma cratera com o nome dele.
Yuri Gagarin. Clique >>>> é o nosso Neil Armstrong.
O cosmonauta russo trouxe uma
carta de Nikita Kruschev, primeiro-ministro soviético, para o então presidente
Jânio Quadros (que havia assumido a presidência em 31 de
janeiro de 1961): “Em nosso país se manifesta grande interesse pela vida
de sua maravilhosa nação, pela cultura nacional de seu povo, e muito prezamos a
posição que alcançou o Brasil no conceito da cultura mundial”. Bons tempos.
Por Conceição Freitas - Foto:
Arquivo Público do DF - Metrópoles
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