Durante a distribuição da
galinhada podemos ver a limpeza e o quanto o SCS está bem iluminado
*Por Jane
Godoy
Para resgatar seres humanos
Desde o mês de maio, o grupo
Mulheres de Brasília vem fazendo junto às suas parceiras, uma campanha muito
séria, para a arrecadação de cobertores, para serem doados às pessoas carentes.
De instituições ou moradores de rua. Com a colaboração e solidariedade de
todas, os cobertores foram chegando e, depois de entregarmos a várias
instituições, ansiosas, combinamos o dia de ir entregar no Setor Comercial Sul
o que foi feito junto com uma saborosa galinhada que Andréa Meireles distribui,
semanalmente, aos carentes da rodoviária e do SCS.
Alexandre ajuda na entrega dos
cobertores
Qual não foi a nossa surpresa,
muito agradável, por sinal, quando vimos aquele lugar tão ermo e perigoso,
inundado de muita luz, “claro como a luz do dia” como comentou uma das
voluntárias que alí estava.
Busquei, então, descobrir desde
quando aquela maravilha estava instalada lá e acabei descobrindo que um certo
Rodrigo era responsável por um SCS limpo, seguro, claro.
Então, ouvi a sua história que, de
pronto, me levou ao passado, quando Toniquinho desafiou JK, em um comício em
Jatai, Goiás, a transferir a capital para o Planalto Central. Esse Rodrigo nada
mais é do que o Rollemberg que, entusiasmado e com riqueza de detalhes, nos contou
como tudo começou.
“Em 2015, eu peguei um BRT para
ver a situação do transporte coletivo no Gama. No caminho para o Plano Piloto
um jovem se aproximou de mim. Se chama Luciano e é da Pastoral de Rua, ligado à
Igreja Católica. Ele me perguntou seu eu teria coragem de acompanhar o
grupo de jovens da pastoral numa visita aos moradores de rua no SCS, de
madrugada. Eu disse que sim e que iria com o maior prazer. E fui! E fiquei
muito impressionado, primeiro positivamente, com a disposição daquele grupo de
jovens, classe média, com a solidariedade, com o desejo de servir as pessoas
mais humildes. Mas fiquei muito chocado com as condições dos moradores do Setor
Comercial Sul. Especialmente com os relatos de violência de todo tipo. Percebi
um descaso muito grande e naquela visita, que a primeira e principal medida que
deveria ser tomada alí era a iluminação, porque aquela escuridão dava uma
sensação de abandono muito grande e, é claro, contribuia para que as
pessoas pudessem cometer todo tipo de delito naquela área” lamenta.
Andrea e Geovani Meireles mais Iza
Matias e Pedro, com a "bandeja" pronta para servir os sem-teto
A partir desse desafio do Luciano
houve uma grande mobilização, entre doze áreas do governo e foi criado o
Programa Centro Legal, cujo principal objetivo era iluminar todo o SCS mas
também, desenvolver alí atividades culturais, com várias atividades,
desenvolvidas pelas secretarias.
O resultado não poderia ter sido
melhor pois, após oito homicídios em 2015, não houve nenhum 2016; nenhum em
2017. No final de 2018, houve apenas um, por causa de problemas de ciúmes de
casais.
Um relato muito interessante e
apaixonado por parte de Rodrigo Rollemberg, que teve oportunidade de
revitalizar aquele lugar que fica no centro nervoso da cidade “pois todos nós
queremos uma Brasília melhor” garante.
Saímos de lá “com a alma lavada”,
cheias de emoção e agradecendo a todas as pessoas que entenderam o quanto
queríamos ajudar àquelas pessoas, pelo menos naquele dia, a dormirem
alimentadas e quentinhas.
De volta para casa, só um
pensamento povoava a minha cabeça e uma pergunta insistia em me angustiar e
apertar o coração, ainda mais depois que alimentamos e cobrimos uma família
inteira, onde duas menininhas, de uns 10 meses e outra de uns 2 anos,
brincavam, inocentes e felizes, em meio àquele amontoado de papelões, roupas,
um colchão sujo. E a temperatura, a cada minuto, caindo, caindo…
Elizabet Campos e Alexandre
oferecem o jantar e o cobertor para a moradora do SCS
Como ir para casa, tomar um banho
quentinho, tomar um chá ou um leite fumegante, vestidas com um pijama macio e
felpudo, deitar numa cama de verdade, sob lençóis e cobertores que nos
aquecerão até ao alvorecer do dia seguinte se, lá fora, deixamos tudo
como antes?
Será que não há uma forma de
acabar ou amenizar isso? Será que não podemos construir albergues ou um povoado
(sei que há um prédio de 9 apartamentos, projeto-piloto, que tirou alguns
moradores da rua).
Precisamos tentar operacionalizar
essa tarefa mudar a vida dessas pessoas, um espaço que as ensine a plantar e
colher, a ter uma profissão que ajude a alimentar a família, que lhes dê apoio
psicológico e médico. Se houver uma cozinha industrial, ele mesmo poderão fazer
sua própria comida, seu pão.
Eles precisam se esquecer das
calçadas, bueiros, marquises e até containers de lixo, antes seus “lares”!
Precisam sentir que são seres humanos, capazes de se recuperar e de sobreviver
com dignidade.
Brasília, principalmente é uma
cidade tão fácil de resolver isso, por sua própria geografia, por sua
topografia e por tantos outros fatores, onde uma única palavra pode mudar tudo:
vontade!
(*) Jane Godoy – Coluna 360 Graus
– Fotos: Irene Borges – Correio Braziliense
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SOLIDARIEDADE