Imagem da Praça da
Municipalidade, um dia antes de sua inauguração: projeto original assinado por
Lucio Costa
Buriti cinquentenário. Inaugurado em 1969, complexo
abriga o poder Executivo do DF. À época da fundação, famílias aproveitavam o
dia sob mangueiras próximas aos espelhos d%u2019água. Hoje, apesar de menos
frequentada, a praça ainda é um dos símbolos da beleza brasiliense
Um dos conjuntos arquitetônicos mais importantes da
capital federal faz aniversário hoje. Em 25 de agosto de 1969, inauguraram-se
tanto a Praça do Buriti — batizada como Praça da Municipalidade no projeto
original de Lucio Costa —, quanto o Palácio do Buriti. Fundados durante o
período da ditadura, não por acaso, a abertura oficial do prédio e da área em
frente a ele ocorreram no Dia do Soldado. Com o passar dos anos, o complexo
virou espaço para o exercício da cidadania: é cenário de atividades que vão
desde protestos e reivindicações a palco para anúncios de governantes.
Naquele ano, Brasília ainda guardava traços de uma
cidade recém-inaugurada, com áreas ainda cobertas pelo barro. No local que se tornaria
a Praça do Buriti, não era diferente. No entanto, o concreto cobriu a terra
para criar um espaço com ar interiorano em meio à modernidade da capital
federal. As obras seguiram o mesmo ritmo adotado durante a construção de
Brasília, e a praça ficou pronta em um mês, tornando-se mais uma peça da alma
da cidade.
Localizada entre as duas pistas do Eixo Monumental,
o conjunto abriga a sede do Governo do Distrito Federal. Com área de mais de 47
mil metros quadrados, dois espelhos d’água com capacidade para 2 milhões de
litros, 12 bancos de concreto, mais de 100 mangueiras e 14 mil metros quadrados
de área para jardins, a Praça do Buriti contava até com parquinhos infantis nas
laterais.
Em meio a tudo isso, figurava uma solitária
palmeira de buriti. A árvore típica do cerrado parecia fazer alusão a um
sentimento que predominava desde então nas ruas de Brasília: a falta de calor
humano. A ideia de plantar uma muda de árvore em frente à futura sede do
Executivo local foi um pedido do engenheiro Israel Pinheiro, presidente da
Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) à época. Ele teria se
inspirado no poema Buriti perdido, de Afonso Arinos.
Simplicidade
Na mesma data, e sob a bênção do então arcebispo de
Brasília, Dom José Newton de Almeida, abriram-se as portas do palácio que
abrigaria a sede do Executivo do Distrito Federal. Projetado pelo arquiteto
Nauro Jorge Esteves, o prédio de colunas, pisos e paredes de mármore branco e
bege agrega características únicas e se assemelha aos demais palácios de
Brasília: um retângulo envidraçado, com laje que se expande além dos limites do
edifício. Uma palmeira foi plantada em
frente à sede do Executivo local
À frente, há uma réplica da escultura da Loba
Romana amamentando os irmãos Rômulo e Remo. A obra foi doada pelo governo da
Itália, em 21 de abril de 1960, como um presente à inauguração da capital. O
aniversário de Roma é comemorado na mesma data.
No gramado, em frente ao prédio, também está a
escultura Forma espacial do Plano, de Ênio Liamini, doada pelo então presidente
da Argentina, Jorge Rafael Videla. “O prédio tem todos os detalhes do
modernismo brasileiro. Mesmo em sua simplicidade, o Palácio é capaz de
transparecer a dignidade do poder Executivo”, explica José Carlos Córdova,
professor de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília (UnB).
Homenagem
A Loba Romana é uma réplica da Loba Capitolina, estátua-símbolo da lenda
de criação de Roma. Nessa escultura, a loba amamenta os gêmeos Rômulo que fundaria Roma e Remo, filhos do deus da guerra, Marte. Abandonados
pelo pai, os dois meninos acabaram encontrados e alimentados pelo animal.
Privilégio
No dia seguinte à inauguração, surgiram os
primeiros ambulantes, que lucravam com a venda de itens como amendoins e
sorvetes. Também apareceram funcionários da limpeza urbana para organizar o que
restou da festa do dia anterior e adubar plantas. Enquanto isso, mães liam
livros e acompanhavam os filhos brincando. Perto dali, casais de namorados
observavam o próprio reflexo sobre a superfície da água. Ao mesmo tempo, o
branco e amarelo das margaridas contrastava com o cinza do concreto. À noite,
as fontes luminosas formavam um espetáculo à parte.
A expectativa era de que a praça seria um sucesso.
E, por muito tempo, ela foi. A construção que foi resultado do esforço de
operários e técnicos de Brasília recebeu muitos pedestres ao longo do tempo.
Nem mesmo a morte do buriti algum tempo depois da inauguração impediu que ele
continuasse como símbolo desse espaço. A árvore foi substituída e está lá até
hoje. No início da década de 1990, um homem tentou derrubar a árvore a
machadadas, mas ela resistiu.
Apenas uma mistura de argila com estrume de gado
permitiu que a área afetada fosse tapada. Mesmo assim, o dano atingiu dois
terços do caule. Uma braçadeira metálica, trocada a cada dois anos, mantém a
árvore de pé. Para o professor de arquitetura e paisagismo do Centro
Universitário de Brasília (UniCeub) Alexandre Sampaio, a Praça do Buriti mantém
uma individualidade: a modernidade. “Ela é a maior representação de uma cidade.
Aqui em Brasília, temos o privilégio de ter um patrimônio como o Buriti. É um
local de paz, que deveria ser mais frequentado pelos brasilienses”, defende.
Quem acompanhou o período de construção da capital
entende a importância arquitetônica do conjunto que compõe a área destinada ao
Executivo local. Pioneiro na capital federal, o empresário aposentado
Claudionor Pedro dos Santos, 80 anos, chegou a Brasília em 1957. Apesar do
tempo, ele não se esqueceu do que viu nascer. “Aquilo era um canteiro de obras.
Só tinha poeira e mais nada. Havia uma estrutura razoável, o asfalto do Eixo
Monumental dos dois lados (da Praça). O Buriti é um empreendimento histórico, e
a estrutura continua intacta desde a edificação inicial”, afirma Claudionor.
Por Jéssica Eufrásio - Darcianne Diogo - Fotos: Wallace Martins/CB/D.A.Press - Arquivo/CB/Press - Paulo de Araujo/CB/D.A.press - Correio Braziliense