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Projeto que desconfigura SIG prevê piora de 21% no trânsito da região


Projeto que desconfigura SIG prevê piora de 21% no trânsito da região. Percentual consta em estudo anexado à proposta em tramitação na CLDF. Governo aposta no “uso de bicicleta” para minimizar impactos

estudo de mobilidade anexado ao Projeto de Lei Complementar (PLC) n° 13/2019, chamado de Lei do SIG, tem lacunas quanto às medidas mitigadoras de impacto no trânsito no Setor de Indústrias Gráficas. Segundo o documento, a mudança no uso e ocupação do solo prevista na proposição que tramita na Câmara Legislativa (CLDF) provocaria aumento de 21% no fluxo de veículos na região. A estimativa é de que o número de viagens por dia subiria de 11.308 para 13.657, considerando-se os horários normais e os de pico.

As soluções para o problema apontadas pelo próprio governo no projeto, no entanto, são genéricas. Entre elas há a aposta de que haverá aumento de 533% no uso de transporte alternativo – a pé ou de bicicleta. O PLC permite que prédios da região passem dos atuais 12 metros de altura para 15 metros, ou seja, de quatro para cinco andares. Ele amplia ainda as possibilidades de atuação no setor. Atualmente, são permitidas apenas atividades bancárias, de radiodifusão e impressão de jornais e revistas. A flexibilização amplia essas modalidades de negócio em pelo menos 160 atividades, divididas entre industrial, comercial, institucional e de prestação de serviços.

Com a atual formatação do SIG, o maior responsável pelo número de viagens de automóveis é o transporte individual, que corresponde a 67% do total. O coletivo representa 27% e o alternativo, 6%. Assim, o documento de impacto na mobilidade destaca a necessidade de “investimentos em ações que envolvam a qualificação dos espaços para os pedestres e ciclistas como incentivo à migração das viagens”. Em um período de cinco anos, conforme prevê o projeto, seria ampliado em 533% o uso do transporte a pé e de bicicleta. Nessa projeção, que parece muito distante do cotidiano dos brasilienses, a estimativa é de que o uso do transporte individual seria reduzido em 9%, e o uso de coletivo cresceria 13%. “O resultado é propiciado pelo investimento na infraestrutura de mobilidade ativa, resultante em parte pelo projeto de qualificação urbana do SIG”, diz o documento.

Veja o cenário traçado:
A perspectiva não convence a arquiteta do movimento Urbanistas por Brasília Romina Capparelli. Para ela, não tem nenhuma construção ou cálculo no texto que tornem esses números factíveis. “Pelo que estou vendo, há muitas inconsistências. O estudo não está redondo. Os dados do próprio relatório se contradizem”, afirmou. “Além disso, eles consideram ali somente o transporte dentro do SIG, mas aquela ‘viazinha’ de duas pistas dá acesso à EPTG [Estrada Parque Taguatinga] e ao Eixo Monumental”, lembra.

Para Romina, os cálculos de como os moradores da Asa Sul passariam a frequentar o SIG a pé são inconsistentes. “De quem mora ali nas, 700, 900, eu entendo: as pessoas podem ir de bicicleta. Porém, não encontro um motivo que vá fazer os moradores das 400 não tirarem o carro da garagem e percorrerem longas distâncias a pé”, analisou.

Pista O PLC também traz a informação de que o SIG passará por “requalificação” dos espaços públicos. Nesse contexto, prevê “reformulação do sistema viário, acessibilidade e paisagismo”. “O projeto, em síntese, prevê a melhoria das conexão entre o SIG e o Setor Sudoeste, ajustes na dimensão das pistas de rolamento de vias locais para melhoria de calçadas e de vagas de estacionamentos, introdução de ciclovia, acessibilidade, arborização e urbanização de espaço livre de uso público da Quadra 6”, diz.

Não há, no entanto, detalhes de como será realizada essa ampliação. Falta ainda a definição sobre os estacionamentos nos prédios. Há uma menção genérica à necessidade de vagas, mas sem especificação. Oposição ao projeto na CLDF Essa falta de detalhamento movimenta a oposição ao Governo do Distrito Federal (GDF) na Câmara Legislativa, e deputados prometem apresentar uma emenda ao PLC que acrescente no texto a previsão do número de vagas por prédio. Os distritais lembram que exigência igual foi feita pelo Departamento de Trânsito (Detran-DF) à época da fundação da Casa. Para que a construção fosse liberada, a CLDF precisou fazer um estacionamento subterrâneo de três pavimentos. O distrital Chico Vigilante (PT) é enfático nas críticas: “Não vou batalhar por emenda, vou batalhar para que esse projeto não tramite na Casa. Sou contra. Brasília tem que desenvolver suas regiões, não adensar as que já têm problemas demais. Hoje, o SIG não tem vaga, e os congestionamentos são diários”, argumentou.

Para Vigilante, a proposição apenas fomentará a especulação imobiliária do DF. Além disso, afirma o deputado, “Esse PLC fere a Lei Orgânica do Distrito Federal. É inconstitucional, não tem que tramitar”.
Procurada pela reportagem nessa quinta-feira (29/08/2019) para comentar o estudo de impacto de trânsito, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) não havia se manifestado até a última atualização deste texto.
Inconstitucional: Ao mencionar a ilegalidade do projeto, o deputado Chico Vigilante se refere ao desalinho do PLC com a Lei Orgânica. Por ferir a Carta Magna de Brasília, ele é inconstitucional. O artigo 247 da norma impede qualquer alteração no conjunto urbanístico de Brasília.
Em 1996, a Emenda nº 11 à Lei Orgânica, aprovada por unanimidade em plenário, estabeleceu que a área tombada deve permanecer “nos termos dos critérios vigentes quando do tombamento de seu conjunto urbanístico, conforme definição da UNESCO, em 1987”. Mudanças só podem ser feitas por emenda à Lei Orgânica. A emenda promulgada pela Câmara Legislativa é de autoria do então deputado distrital Luiz Estevão.
Nessa quarta-feira (28/08/2019), a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação alegou que o PLC está amparado por outra emenda aos atos transitórios da Lei Orgânica nº 49/2007. O texto dessa emenda, entretanto, não trata da área tombada.
O artigo 56 permite o projeto de lei complementar como instrumento de mudança, mas somente em casos de ausência de Lei de Uso e Ocupação do Solo (Luos): “Até a aprovação da Lei de Uso e Ocupação do Solo, o governador do Distrito Federal poderá enviar, precedido de participação popular, projeto de lei complementar específica que estabeleça o uso e a ocupação de solo ainda não fixados para determinada área, com os respectivos índices urbanísticos”.
Pelo texto do artigo 56, qualquer alteração só seria cabível caso não houvesse a Luos. Ocorre que a norma está em vigor desde fevereiro de 2019. Além disso, a lei não pode tratar da área tombada de Brasília, destinando-se apenas às demais regiões administrativas.
O PLC tramita em regime de urgência e pode ser aprovado em plenário sem passar por comissões – entre elas, a de Constituição e Justiça, que analisa a legalidade da proposta. A aprovação precisa de maioria absoluta, ou seja, 13 votos (metade dos distritais mais um). Já as propostas de emenda à Lei Orgânica (Pelos) precisam de maioria qualificada: 16 votos.
Livro do Tombo Histórico: Por fazer parte do Plano Piloto, o SIG leva o selo de área tombada, por isso a iniciativa se mostra tão temerária. Ao alterar as regras de ocupação do setor e de altura das edificações, o GDF inaugura oficialmente a possibilidade de que a mesma ação se repita em qualquer um dos outros locais centrais de Brasília.
Na avaliação de especialistas e defensores da região administrativa, o projeto de lei complementar abrirá porta para a desconfiguração de Brasília como foi planejada e construída. A proposta do Plano Piloto rendeu à cidade reconhecimento em todo o mundo e o título de Patrimônio Cultural da Humanidade.
O SIG faz parte do Conjunto Urbanístico de Brasília, inscrito no Livro do Tombo Histórico em 14 de março de 1990, sob o número 532. O tombamento foi regulamentado pela Portaria nº 314 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), de outubro de 1992, e detalhado pela Portaria nº 166, publicada pelo mesmo órgão, já em 2016.
O registro é o escudo de Brasília, garantido por lei. “Minha impressão é de que, suavizando aos poucos, aqui e ali, o governo começa a permitir exceções que podem acarretar em perdas irrecuperáveis à cidade, que detém o título de Patrimônio Cultural da Humanidade”, pontua Aldo Paviani, referência em planejamento urbano e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB).

Para a integrante do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), órgão vinculado à UNESCO, Mônica Veríssimo, as autoridades se valem da tática de fasear as alterações, o que pode ocasionar grandes transformações com efeitos irreparáveis na capital federal: “As mudanças de destinação estão sendo feitas de maneira picada, o que não evitará a desconfiguração do tombamento da cidade”.
A pressa do GDF para alterar usos e normas de ocupação do SIG contraria especialistas e entidades de arquitetura e urbanismo, colocando em evidência a sobreposição de prioridades da população em razão de interesses de um seleto grupo. De 68 lotes consultados pela reportagem em escrituras do Cartório do 1º Ofício do Registro de Imóveis, 44 pertencem a seis grupos empresariais ou instituições privadas, segundo dados da Receita Federal do Brasil.
Os terrenos fazem parte, de acordo com o Fisco, dos patrimônios: da família de Pedro Camilo Valadares Gontijo, da Vagon Engenharia Civil; de Fernando Costa Gontijo, da Imperial Gold Participações Imobiliárias; de seis integrantes da família Skaf, proprietária da Soheste Empreendimentos Imobiliários; do empresário Paulo Octávio; do Correio Braziliense; e de Edson Elias Alves da Silva, proprietário da EEE Empreendimentos. Soma-se a esse núcleo de poderosos um pool de advogados que mantêm escritórios em prédios no SIG, como o Edifício Barão de Mauá, na Quadra 4. As mudanças dão a eles o direito de ampliarem suas atividades e adicionarem mais andares aos prédios já existentes.
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) informou ao Metrópoles que, por meio da Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb), vai acompanhar de perto todo o processo.
Quem são os donos do SIG? No começo de Brasília, famílias de diversas partes do mundo chegaram à nova capital para estabelecer negócios, e muitas investiram no SIG. Desde as primeiras escrituras registradas em cartório na região, em 1977, os terrenos passaram por alterações. Alguns empresários faliram, outros adquiriram ainda mais lotes na área para atividades distintas, muitas sem previsão na Norma de Gabarito do Setor de Indústrias Gráficas.
De acordo com as escrituras dos terrenos analisadas pelo Metrópoles, o empresário Paulo Octávio, por exemplo, é dono de 11 áreas no SIG. O nome dele aparece como comprador dos lotes 570, 580, 590, 905, 915, 925, 935, 945, 955, 965 e 975. Parte desses terrenos Paulo Octávio adquiriu no leilão da antiga TV Manchete. Há um prédio onde ficava o curso preparatório para concursos Gran Cursos. A edificação foi projetada por Oscar Niemeyer. O empresário também comprou a área em que estava lotada a sede do extinto Jornal da Comunidade.
Em 2009, uma nova família passou a figurar entre os empresários do SIG: a família Skaf, dona da Soheste Participações e Empreendimentos Imobiliários. Hoje, tem quatro lotes na região, todos comprados da Politec Incorporadora em abril de 2009, segundo escrituras registradas em cartório. Os lotes 530, 540, 550 e 560 ficam na Quadra 2 do SIG. O valor de cada um foi R$ 3 milhões. David José Skaf, Dalva Duarte Skaf, José David Skaf, Sarah Alexandra Skaf, Patrícia Skaf e Priscilla Skaf são os donos da empresa.
No ano seguinte, em 2010, de acordo com escritura pública registrada no Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis do Distrito Federal, o empresário Fernando Costa Gontijo comprou os 10 lotes que pertenciam ao Jornal de Brasília. A Imperial Gold Participações Imobiliárias pagou R$ 950 mil por quatro deles – os de número 585, 595, 605 e 615 – após o terreno ter sido garantidor de diversos empréstimos junto ao Banco de Brasília (BRB).

Pelos registros, a Imperial Gold comprou ainda os lotes 625, 635 e 645 por R$ 1,9 milhão. Além de ser o dono dos terrenos legalmente, Fernando Gontijo é o empresário que comprou o triplex no litoral atribuído ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e associado à prisão do petista após condenação na Lava Jato.
Em 15 de maio de 2018, Gontijo ofereceu o único lance, de R$ 2,2 milhões (valor mínimo), no leilão marcado pela Justiça para a venda da propriedade. O triplex foi arrematado cinco minutos antes do fim da primeira etapa do certame virtual.
Da estrutura original do SIG, há ainda o Correio Braziliense, dono de nove lotes. Com sucessivas negociações de dívidas com o BRB, o jornal hoje amarga um dos débitos mais altos de sua história, conforme consta da escritura.
Na última negociação, em 12 de maio de 2016, o imóvel foi alienado fiduciariamente (dado como garantia) à empresa Pentágono S/A Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, com sede no Rio de Janeiro. O agente é garantidor de debenturistas em uma dívida no valor de R$ 56 milhões, crédito emitido mediante a escritura de 56 debêntures
Por Manoela Alcântara - Foto: Igo Estrela - Metrópoles

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