A palhaça Sininho e seu bebê: notícias de luta,
afeto e alegria Todos os dias, ela sobe nos ônibus para evocar o amor e o
respeito ao próximo. Canta, oferece doces, recebe moedas e a solidariedade das
rua. (Por Conceição Freitas)
Sininho, a palhaça, nasceu de um amor perdido. A
ceilandense Simone Fernandes Mendes estava destroçada com a traição do
namorado. Não conseguia sair da cama, chorava noite e dia. Movida pela raiva,
resolveu pintar o rosto como se fosse uma palhaça. Era assim que se sentia,
meio boba, meio ridícula, meio fantoche.
Fez uma selfie da maquiagem histriônica disposta a
mandar para o ex. “Veja o que você fez comigo. Me fez de palhaça!”. Algo,
porém, havia mudado dentro dela. E, como costuma acontecer nas verdadeiras
mudanças internas, foi num átimo. Simone parou, olhou para a foto, gostou do
que viu, pensou e disse para si mesma: “Deixa esse abestalhado pra lá! Vou
cuidar da minha vida”.
Esquálida de tanto sofrimento, Simone tinha
vergonha de sair de casa. Mas… se usasse as roupas folgadas dos palhaços
ninguém notaria quão magra estava.
Nascia a Palhaça Sininho que, de segunda a sexta,
sobe nos ônibus das linhas que passam pela W3 Sul, indo e voltando. Leva,
agarrado ao colo, um garotinho sorridente, de bochechas fofinhas e dobrinhas
nas pernas, Carlos Aristides, 1 ano e 7 meses. Se o motorista a deixa entrar, e
nem todos deixam, equilibra mochila e bebê no sacolejo das freadas bruscas, pede
licença aos passageiros e, com uma voz potente, oferece balinhas e pirulitos
enquanto canta uma música que fala da importância do respeito ao outro, do
muito obrigada, do com licença.
Aristides ri do riso da mãe, joga pirulito no chão,
mexe na bolota vermelha que cobre o nariz da palhaça. Soninha é o parque de
diversões do filho. A palhaça-mãe evoca o amor de Jesus que todos têm de levar
no coração, oferece um pirulito a cada um dos passageiros e, finda a
apresentação, espera pelas moedas que, somadas, garantem a sobrevivência dela,
do bebê e da filha de 10 anos, Ângela Cristina, filhos de pais diferentes.
Nenhum deles ajuda na criação das crianças.
A peleja começa às seis da manhã, quando sai do
Jardim Ingá, e vai até as seis da tarde. “Tem gente que me pergunta por que não
arrumo emprego e coloco o bebê na creche. Sou boa de vendas, posso ser
operadora de caixa, balconista, mas esses empregos vão me deixar longe dos meus
filhos e tem a rotina da escola da Ângela. Mas ainda estou pensando no que farei
no ano que vem
Simone trabalha desde os 16 quando começou a fazer
panfletagem nos semáforos – ganhava R$ 10 por dia mais transporte. A palhaça
Sininho consegue levar para casa perto de R$ 80, o que dá algo em torno de R$
1.600 por mês. Mas não é tão aritmético assim. Perde um bom tempo para, por
exemplo, lavar o bumbum do filho, em banheiro de shopping, quando necessário.
Ou para fazê-lo dormir no carrinho, dar comida, água, suco. Os donos e os
funcionários dos dois quiosques cuidam do sono de Aristides, enquanto a palhaça
volta aos ônibus.
Na quarta-feira (11/09/2019), Sininho estava
apreensiva: temia que a luz de casa tivesse sido cortada, por falta de
pagamento. Mas tinha recebido um raro gesto de solidariedade: o casal dono do
quiosque onde almoça todos os dias decidiu que ela não precisava mais pagar
pela refeição. “Eu estava devendo e eles decidiram não me cobrar mais”.
Quando me aproximei e disse que escrevia crônica,
Sininho perguntou: “O que é crônica?”, com os olhos abertos de vontade de conhecer
mais do mundo.
Essa crônica é a 100ª que escrevo neste portal. Cem
textos escritos com muito zelo, como se fossem os últimos, coisa de quem sente
a velhice se aproximando com notícias do mundo de lá.
Sininho, os dois filhos e os donos e os funcionários
dos dois quiosques do começo da W3 Sul são notícias boas do mundo de cá.
Sininho faz festas infantis e eventos em geral. Leva carrinho de pipoca e de
algodão doce. Contato: (61) 99361-4826
Por Conceição Freitas – Fotos: Vinícius Santa Rosa
– Metrópoles
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