Circula ou engarrafa Brasília?
*Por Maria Rosa Ravelli Abreu
Auspiciosa iniciativa dos governadores do Distrito Federal e Goiás, em
reunião na cidade de Águas Lindas (GO), na busca de solução eficiente para
dramática situação do transporte na Brasília Metropolitana. A tecnologia e a
automação evoluem no ritmo da inteligência artificial e nossas cidades
continuam no monopólio rodoviário, sem trilhos, micro-ônibus elétricos em rede
capilar. Tarifa cara, obsoletos ônibus em chassi de caminhão, penoso motor
dianteiro e sem acessibilidade, combustível fóssil, penalizam motorista e
passageiro, ferem direitos humanos, em apartheid social.
Esperança por novo transporte que, em vez de destruir, construa cidade
limpa, competitiva, atrativa. Atenda ao conceito básico da mobilidade
eficiente: promover migração(report) do carro para o coletivo. Hoje, é ruim e
caro para forçar uso intensivo do carro. Insistir no velho transporte é
prejudicial, também economicamente. Quanto mais viadutos e vias, mais carros,
acidentes, mais congestionamentos, maior desperdício de recursos. Fila de
ônibus tentando imitar Metrô ou VLT onera a todos.
Ônibus são fundamentais, mas integrados às estações locais. Outro avanço
esperado: bilhete multimodal ilimitado com carga diária, semanal, mensal ou
anual, com horário e passe no celular. Por ser ruim e caro, apesar do rico
subsídio do erário e vale-transporte de todo empregador, estudo do setor alerta
que rede de ônibus perdeu 25% de seus usuários. Curitiba, com mais carros
por habitante, dados de 2017, é exemplo de que fila de ônibus não produz
migração modal. Corrigir evasão de passageiros exige qualidade e preço. Dada a
precariedade, a pessoa prefere usar o carro e enfrentar congestionamento.
Qualidade é segurança, conforto, pontualidade, linhas adequadas a cada
função, trilhos nos eixos principais, micro-ônibus locais, micromobilidade.
Preço é passe ilimitado, benefício à metrópole e localidades próximas. Em
Viena, passe anual a 1 euro ao dia permite viagens ilimitadas no Metrô, VLT,
Trens Suburbanos, Ônibus, Bicicletas. Em Lisboa e outras 18 cidades ao redor, a
40 euros/mês. Para tanto, é crucial revisar a forma de concessão. Prestação de
serviço público essencial é direito social (Art. 6º da Constituição Federal),
não é locus de altos lucros, mas de remuneração justa (fair pay) ao operador,
pelo serviço prestado, com ônus e bônus.
É preciso abrir concessões de linhas de vizinhança democratizadas, com
regularização do transporte familiar, economia solidária. Formato de concessão
para maximizar ganhos, não é surpresa que provoque sucessivas operações
policiais: ponto final, regime integrado, passe livre, trickster, cana brava,
atalhos, panatenaico, topique, checklist, genesis, zaragata, infinita highway,
parasito, offerus, mão invisível, cadeia velha. Nessa trilha de insuficiências
e malfeitos surge, em 2015, o Circula Brasília, em cerimônia no Memorial JK,
que apenas reforçou a hegemonia de caras obras para carros.
Na metrópole de 4 milhões de habitantes, o transporte sobre trilhos foi
ignorado, inclusive o VLT para Luziânia e Planaltina. Não faltam exemplos de
boas políticas: anel metroviário de 200 km unindo cidades da Paris Metrópole;
com parcerias nas estações monumentais ajudando o financiamento. Moderna
linha Crossrail, 132 km indo do oeste ao leste da Grande Londres; passe
ilimitado metropolitano como o Navigo em Paris, o Navegante em Lisboa e o
Metrocard em Nova Iorque.
No Brasil, é constante a pressão por mais subsídios junto a prefeitos e
técnicos. E busca de apoio de entidades sociais e corporativas. Para empresas e
políticos do velho modelo, em recente audiência na Câmara Federal, a melhoria
do transporte passa por aplicar taxa de 6% no valor do combustível dos
congestionados motoristas. São solicitados ao tesouro R$ 8,8 bilhões para 10
mil km de asfalto. Nada de transporte decente, sustentável e duradouro sobre
trilho.
Felizmente, gestores com visão, setores modernos da economia, do
urbanismo responsável, lideranças comunitárias esperam que equivocados projetos
como o Engarrafa Brasília, de 2015, ou devastações como na EPTG permaneçam no
passado. Que o previsto Transbrasília seja marco de novo tempo, projeto
inovador, que crie rede de micro-ônibus elétricos locais integrados a moderno
metrô leve/VLT pontos de carregamento, energia solar, amplas calçadas,
ciclovias, praças arborizadas, jardins, fontes; construções verdes; terminais
TAS, TRF, TPW, TAN (com estação do metrô), previstos no Brasília Integrada;
Plataforma Central, no Marco Zero, espaço de convívio democrático, serviços,
lazer, cultura para moradores e turistas. Passagem dos micro-ônibus integrada
aos terminais e não mais anacrônico depósito de ônibus no coração da
cidade. Que o novo transporte, na capital da esperança, ajude a irradiar o bom,
o belo, o virtuoso para as cidades de nosso país.
(*) Maria Rosa Ravelli Abreu - Representante do Projeto Cidade Verde Universidade de Brasília – Foto/Ilustração: Blog - Google –
Compartilhado do jornal Correio Braziliense