Esqueça Niemeyer. Brasília tem outros grandes
arquitetos modernos. Esqueça ainda o Setor de Perfumes: o maior sítio moderno
do mundo é uma galeria de prédios projetados por brasileiros e gringos
consagrados
(Por Conceição Freitas)
Nem só de Niemeyer é feita a arquitetura de Brasília.
Há muitos outros nomes consagrados ou nem tanto que deixaram suas pegadas no
maior sítio moderno do mundo. A começar pelo próprio Lucio Costa, a quem
pertencem dois marcos fundamentais do projeto: a extraordinária e
escandalosamente abandonada Rodoviária do Plano e a delicada e esguia Torre de
TV.
Somos tão modernos que os olhos já nem se espantam
mais: as primeiras embaixadas aqui instaladas entregaram os projetos de suas
sedes a grandes nomes da arquitetura moderna de seus países, o que resultou numa
mostra única no mundo. Arquiteturas como a espanhola, a mexicana, a japonesa, a
portuguesa, a italiana, cada uma moderna ao seu modo.
Brasília é de Niemeyer mas é de Lelé, o
tecnológico, humanista e afetuoso João Filgueiras Lima. São do Lelé os hospitais
da rede Sarah, em Brasília e no Brasil, o Hospital Regional de Taguatinga, o
Beijódromo. O Minhocão da UnB tem os pré-moldados do Lelé. Os dois mais
bonitos, alegres e elegantes edifícios do Setor Comercial Sul, o Morro Vermelho
e o Camargo Correa, com as brises coloridas de concreto pré-moldado, são do
Lelé. Os blocos da Colina, na UnB, idem.
Estrelas de primeira grandeza da arquitetura
brasileira, Alcides da Rocha Miranda e Paulo Mendes Campos também estão em
Brasília, embora com discreta presença. Um dos fundadores da Universidade de
Brasília, Rocha Miranda projetou o Auditório Dois Candangos e a Faculdade de
Educação. Também é dele, com Fernando Cabral, a antiga sede do BNDES, no Setor
Bancário Sul, hoje sede do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicadas).
Um dos dois únicos brasileiros a receberem o maior
prêmio de arquitetura do planeta, o Pritzker, Paulo Mendes da Rocha tem uma
obra em Brasília, o Palácio das Indústrias, no Setor Bancário Norte. O projeto
é dele com Pedro Paulo de Melo Saraiva. O SBN concentra a arquitetura moderna
racionalista, típica do fim da década de 1960. O racionalismo está para a
arquitetura moderna como o poema concreto está para a poesia: enxuto, objetivo,
estético, contido.
Arquitetos que vieram para Brasília nos primeiros
tempos, e que, com Niemeyer, pegaram no pesado, riscaram o próprio nome no chão
do cerrado. Nenhum outro arquiteto, depois de Oscar, deixou tantos riscos no
quadradinho quanto Nauro Esteves, o chefe do poderoso Departamento de
Arquitetura e Urbanismo (DAU). São dele, entre outros, o Conjunto Nacional, o
Hotel Nacional, o Palácio do Buriti, a sede da Polícia Militar (no Setor
Policial Sul) e uma jóia da arquitetura moderna religiosa (que costuma ser bem
feinha): a Igreja Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, na 710/910 Sul.
Igreja Dom Bosco: De uma beleza interna fulminante,
a Igreja Dom Bosco, embora moderna, mantém a atmosfera sagrada e sublime dos
templos pré-modernos. É obra de um quase desconhecido arquiteto, Carlos
Vasconcelos Naves.
Os blocos residenciais, especialmente os da Asa
Sul, são uma sucessão de singularidades nas fachadas, nos pilotis, na
distribuição interna dos espaços, nas janelas, nos basculantes. Foram muitos os
arquitetos que projetaram os blocos da mais bela invenção de Lucio Costa, as
superquadras. Nomes como Marcílio Mendes Ferreira, Hélio Uchôa, Eduardo Negri,
Milton Ramos, Stélio Seabra e muitos outros deixaram, impressos em concreto,
singularidades arquitetônicas que são um deleite para quem delas gosta.
Passado o período áureo, a arquitetura brasiliense
caiu no abismo do mau gosto à moda Miami/Dubai – os exemplares mais retumbantes
estão reunidos num só lugar, ainda bem, o Setor Hoteleiro Norte, mais conhecido
como Setor de Perfumes Norte.
Mas como nem tudo são cafonices espelhadas, a
cidade ganhou obras à altura de si mesma: a sede do Confea, o Conselho Federal
de Engenharia e Agronomia, na 508 Norte, é uma dessas salvações saída do
escritório de Pedro Paulo de Melo Saraiva. Outro alívio para os olhos é a sede do
Sebrae, na 605 Sul, obra a oito mãos, Álvaro Puntoni, Luciano Margotto, João
Sodré e Jonathan Davies.
Setor Militar Também está na lista da arquitetura
que não nos faz vergonha a sede da Fundação Nacional do Exército, no Setor
Militar Urbano. É tão discreta que quem passa pelo Eixo Monumental Oeste nem a
percebe, tão envolvida pela vegetação e tão respeitosa com a obra de Lucio
Costa. Projeto de seis arquitetos brasilienses, Elcio Gomes, Danilo Matoso,
Daniel Lacerda, Fabiano Sobreira, Newton Godoy e Filipe Benutti.
É bom acentuar que os três exemplos acima citados
são projetos selecionados em concurso público.
A nova arquitetura da UnB também lava os olhos e
alimenta os espíritos E, finalmente, casas e projetos de comércio e indústria
feito por uma geração ainda mais jovem. Todos eles reverenciando os mestres e
incorporando novas tecnologia e novas percepções sobre o lugar da arquitetura
na paisagem. O moderno que sabe ser contemporâneo.
Por Conceição Freitas – Fotos: Felipe Menezes –
Rafaela Felicciano – Daniel Ferreira – Igo Estrela - Bruno Pimentel - Metrópoles