Funk-se, funk-se. A “corte” brasiliense quer
emoções mais fortes. A festa chique com armas pesadas e cenário de morte é o
retrato mais grotesco da eterna ilha da fantasia, só que agora sem disfarce. (Por Conceição Freitas)
Os bancos eram de tijolos; os sanduíches, feitos na
chapa; e caixas d’água de barraco gelavam as bebidas. Uma pilha de pneus
homenageava o cenário atroz da guerra do tráfico, quando os inimigos são
incinerados vivos com a borracha.
Os convidados ficaram excitados com o tema da
festa. Estava autorizada a exaltação ostentatória e boçal da violência. Tudo
acontecia como num fantasmagórico e tétrico desfile de horrores. Não há
adjetivos suficientes – se houvesse, eu os usaria.
A notícia, publicada no Metrópoles, da festa de
aniversário de 30 anos de uma moradora do Lago Sul, filha de um empreiteiro da
capital, tem uma novidade apenas: a de pedir de empréstimo o cenário dantesco
do genocídio nas comunidades do Rio de Janeiro e da guerra do tráfico que mata
na favela e deixa imunes e festivos os que moram no lado rico da cidade.
O mau gosto da autodenominada “corte” brasiliense
não é de agora. Há nove anos, um empreiteiro mandou construir uma réplica do
Palácio de Versalhes, aquele de Maria Antonieta, de Luiz XVI e dos brioches. No
centro de um dos salões, havia uma piscina “ao melhor estilo termas romanas,
com leões em toda a volta, cujas bocas eram fontes d’água”, descreveu Hildegard
Angel, uma das convidadas, em seu blog. O casamento ocorreu em 18 de setembro
de 2010.
A opulência da corte de Maria Antonieta e a extrema
e prolongada miséria do povo francês, somadas aos ímpetos insubordinados de
líderes organizados da época, resultaram, não custa lembrar, na revolução que
mudou o mundo ocidental.
A mudança da capital – do Rio para Brasília –
permitiu o surgimento de uma elite que não se diferencia em nada daquela à
beira-mar. Há pouco tempo, a internet estremeceu com as fotos da festa de uma
jornalista da Vogue carioca, a revista dos chiquitíssimos fashionistas. Mucamas
negras, paramentadas como no tempo da escravidão, serviam os convidados.
Veja imagens da festa funk-se:
Existem exemplos fartos nos últimos 519 anos.
Primeira colunista social de Brasília, Katucha deixou um livro que leva o seu
nome com muitas das colunas publicadas no Correio Braziliense. Numa delas, de
12 de fevereiro de 1974, portanto, no mais terrível momento da ditadura
militar, Katucha noticia o casamento de alguém da “corte”.
“Após a cerimônia religiosa, seguiu-se a recepção,
os convidados espalhando-se pelo jardim com mesinhas cobertas com toalhas de
renda branca e centro amarelo. No salão ‘vip’, foram colocadas algumas mesas
destacando-se a figura simpática e bonita do nosso presidente Médici, que,
dentro de sua conhecida simplicidade, se sentou ao lado dos convidados e
manteve-se todo o tempo conversando alegre e agradável, cumprimentando os presentes
com aquela simpatia de sempre.
”Do lado de fora, no Brasil real, militantes de
esquerda, quase todos jovens, eram torturados, mortos – muitos até hoje
desaparecidos.
Mas algo aconteceu desde 1974 até agora na “corte”
brasiliense. Ela já não se contenta com imitar Maria Antonieta e Luiz XVI. Nem
com bajular um ditador. Quer emoções mais fortes e sangrentas. Bebe, ri, dança
e se diverte num cenário de tortura e morte.
Por Conceição Freitas – Fotos: Reprodução Instagram
- Metrópoles
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