Eu, professora
*Por Júlia Passarinho
Até bem pouco tempo, tornar-se professor era um caminho escolhido por
afirmarmos vocações, dons e encantamento pela tarefa de ensinar — fosse por
tradição familiar, fosse pelo desejo despertado nas lembranças afetivas do
período de aluno, fosse por se descobrir professor. Penso que qualquer motivo
que tenha para fazer a escolha profissional, hoje, mais do que nunca, é preciso
que você, professor, tenha a clareza do porquê de ter-se tornado professor. Por
que fez essa opção profissional. Seus porquês é que lhe garantirão manter-se ou
não nesse lugar, nessa função.
Sabemos que tudo na vida são escolhas e que elas, sejam quais forem, vão
nos exigir uma postura, uma atuação, uma responsabilidade, um fazer
profissional sustentável na consciência vocacional. Mas será que essa
consciência tem nos sustentado o exercício, a tarefa, a função de ensinar? Com
tantas definições para nossa profissão, os modismos que nos impõe,
influenciando social e politicamente as ações do bom professor? Ou de um bom
facilitador? Ou um bom mediador? Ou um bom educador, estimulador dos
protagonistas dos seus processos de educação?
Isso tudo sem falarmos na intensa divulgação de verdadeiros despautérios
de violências e desrespeito sofridos pelos professores. É fato que estamos
vivendo numa sociedade em que todos nós, famílias e professores, nos
defrontamos e lidamos com muitas crianças e jovens que revelam inconsistências
de valores éticos, morais, falta de limites e de respeito nas inter-relações
sociais, além de imediatismo, intolerância e negação às frustrações presentes
no nosso conviver atual.
As famílias sofrem por não saberem ser os adultos e os responsáveis
pelos filhos. Os filhos sofrem as angústias de se confirmarem verdadeiros
déspotas dos pais. E nós, professores, entramos em sofrimento se não
soubermos lidar com esses fatos. Mas é preciso deixar claro que não estou
generalizando nem crucificando as famílias. Aliás, cada uma sabe dos seus
valores, das suas condições e posicionamentos educacionais com os filhos, e
isso não está em julgamento. Refiro-me a fatos notórios com os quais somos
invadidos frequentemente. Como também não coloco os professores como vítima dos
alunos ou da sociedade.
Sinceramente, fico pensando como seria mais prático, honesto e fiel aos
princípios profissionais, se eu, professor, procurasse me manter encantado com
minha escolha profissional e assumisse minha função com responsabilidade pelas
minhas escolhas; atuasse olhando com respeito para meus alunos, para seus
limites; acreditando na capacidade de cada um; na compreensão das suas
diferenças, no acolhimento dos seus receios; no estímulo dos seus dons.
Se eu, professor, qualificasse as inter-relações, fortalecendo as
competências emocionais e sociais dos meus alunos; se definisse, com eles, os
limites necessários do respeito nas relações entre todos; se pudesse suportar
as frustrações dos alunos sustentando-os e fortalecendo-os com a aprendizagem
possível dessas situações. Se eu, professor, oferecesse o meu melhor e
despertasse o melhor deles, daqueles que dependem de mim mesmo sem que eles
tenham me escolhido, mas com a consciência de que eu escolhi estar com eles.
Poucas certezas podemos ter na vida. Uma delas, para mim, é a de que ser
professor é uma escolha consciente das responsabilidades profissionais e, como
tal, poder tomar decisões convicta de que promovemos experiências
significativas que substanciarão atitudes transformadoras na construção de uma
sociedade mais justa e um mundo mais humanizado.
Eu, professor, felicito os professores que, como eu, buscam
constantemente aperfeiçoamentos, valorizam a profissão e vivem a educação.
(*) Júlia Passarinho - Professora e diretora do Instituto Natural de
Desenvolvimento Infantil (INDI) – Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog-Google
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EDUCAÇÃO