O homem que cobrou JK. Responsável indireto pela
construção de Brasília, ao questionar se o então presidente cumpriria a
Constituição e mudaria a capital do Rio de Janeiro para o Planalto Central,
Antônio Soares Neto, o Toniquinho, faleceu aos 94 anos
*Por Deborah
Fortuna
À época da pergunta que mudou o
rumo da história, Antônio tinha 29 anos e era vendedor de seguros
Em um dia chuvoso de 4 de abril de 1955, Antônio Soares Neto faria uma
pergunta que mudaria a história do país. Durante o primeiro comício de
Juscelino Kubitschek, em Jataí, no interior de Goiás, o vendedor de seguros, à
época com 29 anos, levantou o braço e perguntou ao então candidato à
Presidência da República se ele cumpriria o que dizia a Constituição e mudaria
a capital do Rio de Janeiro para o Planalto Central. Toniquinho, como era
conhecido, faleceu na manhã de ontem, aos 94 anos, recém-completados em
outubro, após uma parada cardiorrespiratória.
“Ele era uma boa pessoa, gentil, generosa e ousada”, relembra o
jornalista e documentarista Edson Luiz de Almeida, responsável pelo filme A
pergunta que mudou a história do Brasil, que conta a versão do vendedor de
seguros daquele dia em que Toniquinho deixou Juscelino em uma “saia justa”.
Almeida, que ouviu muitos depoimentos e testemunhas sobre aquele 4 de
abril, conta que o diálogo entre Toniquinho e JK ocorreu em um comício
improvisado, depois que uma chuva forte dispersou a multidão que acompanhava o
político em uma praça pública. Perto de uma concessionária de veículos, um
caminhão foi feito de palanque. Como sobraram poucas pessoas depois do
temporal, JK resolveu dialogar com o pequeno público presente. “E nisso, o seu
Toniquinho, que estava estudando a Constituição porque queria fazer concurso,
sentiu um calor no corpo e levantou o braço. JK disse ‘pois não, senhor?’. Eu
ouvi essa história dele [Toniquinho] dezenas de vezes. Sempre contada do mesmo
jeito. E ouvi isso de outras testemunhas também”, disse o documentarista.
Se há dúvidas de que o presidente foi incentivado a pensar em Brasília
por causa dessa pergunta, esse questionamento pode ser respondido pelo próprio
JK, em um trecho do documentário da Secretaria do Território e Habitação do DF,
também disponível no filme de Almeida. “Confesso que, até aquela altura, eu não
havia pensado nesse assunto, mas quando Toniquinho me colocou o problema,
pensei subitamente. Dei um ou dois segundos de espera e disse: Se a
Constituição exige a construção da nova capital, vou respeitá-la e construirei
a nova capital do Brasil no Planalto Central”, afirmou JK.
Àquela altura, o projeto de metas de Juscelino estava pronto, contendo
30 itens. Nenhum deles, contudo, fazia referência à construção. Brasília não se
tornou a 31ª meta de governo, mas sim o cerne de toda a campanha de JK ao
Planalto. A promessa se cumpriu cinco anos depois daquele dia, em 21 de abril
de 1960, quando os fogos de artifício encheram o céu para inaugurar a nova
capital federal. “A importância do Toniquinho é fundamental para a história do
Brasil”, defende o jornalista.
Descrito por amigos e familiares como muito carismático, Toniquinho
deixa cinco filhos, 11 netos e dois bisnetos.
Carisma: Mas Toniquinho não foi apenas o homem que mudou os
rumos da capital. Segundo Almeida, era uma das figuras “mais carismáticas” que
conheceu. Ao longo dos anos, o vendedor de seguros estudou a Constituição
Federal e se tornou advogado. Mudou-se para Brasília e depois voltou a morar,
com a esposa, em Goiás.
Para a mulher, Nelita Vilela, 82 anos, Toniquinho foi um marido
carinhoso, amigo e companheiro. “Ele era uma pessoa humana e gostava de ajudar
as pessoas menos favorecidas. Era muito humilde, inteligente. Foi um bom pai,
avô, bisavô”, disse. Os dois completariam 64 anos de casados em dezembro.
Toniquinho deixa cinco filhos, onze netos e dois bisnetos.
O velório começou na noite de ontem, na Câmara Municipal de Jataí. O
sepultamento está marcado para as 11h de hoje, também na cidade goiana.
O governador em exercício do DF, Paco Britto, emitiu uma nota em que
lamenta a morte e lembra a história de Toniquinho, afirmando que o homem
"entrou para a história oficial de Brasília como o responsável pelo surgimento
do Distrito Federal"
"Confesso que, até aquela altura, eu não havia pensado nesse
assunto, mas quando Toniquinho me colocou o problema, pensei subitamente. Dei
um ou dois segundos de espera e disse: ‘Se a Constituição exige a construção da
nova capital, vou respeitá-la e construirei a nova capital do Brasil no
Planalto Central" (Juscelino Kubistschek, sobre a
influência de Toniquinho)
(*) Deborah Fortuna - Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press - Correio
Braziliense