Há cem anos nascia o maestro Cláudio Santoro
Patrono do Teatro Nacional e fundador da Sinfônica, o músico genial deixou um
legado que ainda aguarda o devido reconhecimento
Neste sábado (23) o Teatro Nacional Cláudio Santoro amanhece envolto em
lembranças. Há cem anos nascia em Manaus o violinista, maestro e professor que
lhe dá nome. Cláudio Franco de Sá Santoro (1919-1989) formou-se musicalmente no
Rio de Janeiro, terra de Villa-Lobos, a quem é equiparado, e para onde foi em
1933 estudar no Conservatório de Música com bolsa do seu estado natal.
2019 traz outras marcas: os 30 anos
da morte do músico e quatro décadas de fundação da Sinfônica do Teatro Nacional
(OSTNCS) por Santoro, que criou também o Departamento de Música da UnB nos anos
1960. Isso além de sua vasta obra que reúne uma ópera, 14 sinfonias, centenas
de obras e milhares de páginas de música. A genialidade do músico vai aos
poucos sendo reafirmada com a atualização do interesse por sua
obra com lançamentos discográficos e outros previstos para
2020.
“Trata-se de um dos maiores compositores brasileiros, construiu um
legado musical de extrema relevância”, diz o regente da OSTNCS, Cláudio
Cohen.
“Trabalhei com o maestro nos últimos seis anos da vida dele. Eu tinha
dezessete anos quando comecei a assessorá-lo. Foi um período de intenso
aprendizado em que falávamos muito sobre política, filosofia, música e muitas
outras coisas. Eu tive o privilégio de acompanhar a vida de um gênio em tempo
real”, diz Afonso Celso Galvão, violoncelo na orquestra entre 1984 e
2016.
Galvão ressalta também a humildade que marcava o mestre e
lembra um episódio. Numa ocasião o encontrou comendo um misto quente na cantina
da então Fundação Cultural do DF com um amigo, a quem apresentou o aluno:
– “Afonso, este é o Tom. Tom, Afonso, um amigo”.
“O Tom respondeu: – “Prazer, Tom Jobim”. Galvão disse: –
“Nossa, admiro muito sua música!”. Tom reagiu: – “Mas o gênio aqui
é o nosso amigo”, apontando para o Santoro.
Companheira do maestro Santoro por 26 anos, a coreógrafa Gisèle Santoro
diz que “Claudio foi excepcional em tudo que fez como músico e compositor, mas
acredito que foi como professor que mostrou seu maior brilho”.
O pianista Renato Vasconcellos, atual chefe do departamento de música da
Universidade de Brasília, considera inestimável o valor do serviço que Santoro
prestou ao país com a criação do Departamento na universidade fundada por Darcy
Ribeiro.
“O nosso departamento de música é responsável pela formação de centenas
de músicos espalhados por todo o mundo. O atual grupo de professores, quase
todos doutores, é composto em sua maioria por ex-alunos dele e representam a
substituição gradativa das gerações de docentes. Viva o maestro Cláudio
Santoro”, entusiasma-se.
Humanista: Gisèle relata que as
convicções políticas de Santoro, comunista, causaram-lhe muita dificuldade, não
apenas tirando-o da cátedra, forçando-o ao exílio, mas também na volta, em 78,
jogado um manto de esquecimento sobre seu trabalho. Ele contudo, nunca recuou
de suas convicções humanistas.
Ela conta que, ao chegar o Brasil então, Santoro foi sabatinado por mais
de duas horas por um oficial do SNI, o órgão criado pela ditadura militar em
1964 para monitorar os inimigos do regime, extinto e substituído mais tarde
pela Agência Brasileira de Inteligência. Ao final do interrogatório o oficial
de plantão lhe perguntou:
– “Por que os intelectuais brasileiros são todos de esquerda?” Santoro:
– “O senhor já reparou quanta gente pobre e miserável vive em nossas ruas? Não
lhe dá vontade de mudar isso?”
Galvão conta como se despediu do mestre: “Ele morreu na minha frente, durante
um ensaio da orquestra que fundou. Em que pese a tragédia, foi uma bela morte,
digna de um gênio. Como disse um crítico musical à época, o Brasil perdeu o seu
Mozart”. O ex-aluno faz uma pausa e arremata: “Sua obra, no entanto,
permanecerá”.
Com informações da Secec