Água no limite da consciência.
Abastecimento do Distrito Federal depende não só das chuvas, mas da postura da
população em relação à economia. Segundo a Adasa, volume dos reservatórios da
capital está pouco acima do previsto para esta época do ano
A Bacia do Descoberto estava ontem com 67,7% da capacidade útil, próximo ao índice de 64% estabelecido pela Adasa
Com os reservatórios no limite do
estimado pelo governo, parte do equilíbrio hídrico do Distrito Federal passa
não só pelas chuvas, mas pela consciência da população. Ontem, a Bacia do
Descoberto estava com 67,7% da capacidade útil. Índice próximo ao definido pela
Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do DF (Adasa) como o
ideal para esta época do ano, de 64%. Essa diferença, a quatro meses do início
da seca, liga o alerta à manutenção de hábitos sustentáveis a fim de evitar
nova crise hídrica (leia Memória). “A gestão dos recursos hídricos começa na
casa de cada um. A água é um problema de todo mundo e é preciso utilizar com
parcimônia e responsabilidade”, afirma o diretor da Adasa, Jorge Werneck.
Segundo Werneck, novos parâmetros
serão traçados para 2020, baseados em simulações da agência. A previsão é de
que essa atualização dos dados seja feita em fevereiro. É levada em conta, por
exemplo, a quantidade de chuvas no Distrito Federal no período. No entanto, a
população tem responsabilidade direta em relação à oferta de água, pois as
precipitações que aumentariam o volume dos reservatórios “são cada vez mais
imprevisíveis”, de acordo com o diretor da Adasa.
Francisco Emílio Marinho, dono do
Beirute, investe em reaproveitamento de água: economia
A importância do uso consciente
para o professor Giovanni Guevara, 51 anos, começou no período de racionamento
de água e trouxe mudanças na rotina e no comportamento da família. “O corte de
água que teve no DF em 2017 fez com que a gente passasse a se preocupar com a
reutilização e a economia de água”, conta. “No banheiro que divido com a minha
esposa, começamos a aproveitar a água do chuveiro para usar na descarga”,
explica o morador do Lago Norte. A captação foi feita por meio de um sistema com
quatro reservatórios, de 5 litros cada. “Eles ficam montados no chão, embaixo
do chuveiro”, explica.
Nos outros banheiros da
residência, a água fica em baldes. “Os dois filhos que moram comigo usam o
recipiente para, também, usar nas descargas. Fazemos isso diariamente”,
ressalta. Outra atitude dos moradores é na canalização da chuva para a piscina.
“Ela tem capacidade para 40 mil litros e só vai esvaziar agora lá para o mês de
maio”, prevê Giovanni. Na lavagem de roupas, há economia de recurso. “A água usada
na máquina de lavar é armazenada em dois galões de 200 e 250 litros. Depois de
jogar cloro, a gente reutiliza o líquido para lavar a garagem, os carros e a
área da varanda”, detalha. A mudança de postura afeta as contas. “Antes, o
valor girava em torno de R$ 700. Hoje, não passa de R$ 300”, contabiliza
Giovanni. “Todo recurso natural é finito. Nós não podemos esperar medidas
apenas do governo, temos de fazer a nossa parte.”
Morador do Lago Norte reutiliza
água do chuveiro e da máquina de lavar desde 2017
Francisco Emílio Marinho, dono do
Beirute, na 109 Norte, também toma medidas sustentáveis. Por sugestão de um
funcionário, ele investiu em um projeto de reaproveitamento. “Em 2017,
compramos várias caixas d’água para a reciclagem da água utilizada nas máquinas
de lavar prato e na cozinha”, relembra. “O sistema também filtra e limpa o
líquido para uso nos banheiros”, completa. A iniciativa coincidiu com o
período de racionamento e, à época, adesivos foram colocados no estabelecimento
com alerta para que os clientes colaborassem com o uso consciente do recurso.
Desde então, a conta de água caiu de 20% a 30%. “A gente entende que foi um
investimento importante”, avaliou Francisco.
A moradora de Samambaia Norte,
Vanessa Antunes, 31, reaproveitava a água da máquina de lavar roupas para a
limpeza da casa quando, em 2019, passou a captar chuva para molhar as plantas.
Campanhas educativas e o sistema de rodízio implementado pelo GDF dois anos
antes chamaram a atenção da autônoma. “Passei a sempre observar ações
cotidianas que pudessem poupar o meio ambiente”, justificou. Além disso,
práticas como evitar banhos demorados e manter um copo no banheiro para escovar
os dentes viraram rotina. “São atitudes pequenas que fazem a diferença”,
recomendou Vanessa.
A consciência do recurso hídrico é
prioridade no dia a dia da moradora de Sobradinho Cíntia Almeida, 43. A
analista de sistema começou a economizar há oito anos. Desde então, tenta
aperfeiçoá-las. “À época, eu comprei uma caixa d’água para deixar na lavanderia
e captar a água da máquina de lavar. Recentemente, para obter mais espaço no
ambiente, troquei o utensílio por tambores de água, com cerca de 150 litros.” A
prática possibilita o reúso para regar plantas e lavar a casa. “Hoje, é algo
muito natural. Até me incomodo ao ver alguém lavando a varanda com água da
torneira”, reconheceu Cíntia. “Quando é uma pessoa próxima, eu aconselho a
tomar medidas que podem economizar água”, acrescentou.
Para o professor da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Flósculo
Pinheiro Barreto, os cerca de 3 milhões de habitantes do Distrito Federal
exigem medidas particulares contra nova crise hídrica. “A gente tem de saber
que, no DF, são águas contadas. Em qualquer população acima de 2,4 mil
habitantes no mundo, há estresse hídrico. Aqui não é diferente”, explica.
Corumbá IV: Principal aposta do Governo do Distrito Federal
para garantir o abastecimento da capital pelas próximas três décadas, o Sistema
Produtor Corumbá IV acumula atrasos na obra. A empreitada é de responsabilidade
de um consórcio do qual faz parte a Companhia Saneamento de Goiás (Saneago), em
parceria com a Companhia de Saneamento do DF (Caesb). O último prazo dado pelo
GDF para a entrega do complexo venceu em dezembro de 2019.
Questionada sobre os atrasos na
construção, a Caesb informou que prevê o início de operação do sistema ainda no
primeiro semestre de 2020. Segundo a empresa, a inauguração teve de ser
reagendada devido a dificuldades encontradas pela Saneago na liberação fundiária
de área para implementação da linha de transmissão de energia elétrica para
Corumbá IV.
Memória: Rodízio
no fornecimento- A maior crise hídrica da história do Distrito Federal
começou em 2017. Durante 513 dias, a capital lidou com o rodízio de fornecimento
de água feito pela Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb). O racionamento
acabou em 15 de junho de 2018, quando a Barragem do Descoberto chegou a 90% da
sua capacidade e o reservatório de Santa Maria, a 56,5%. Estima-se que, neste
período, os brasilienses economizaram 24,2 bilhões de litros de água,
quantidade equivalente a cerca de 9,6 mil piscinas olímpicas cheias. O período
também culminou na queda do consumo por habitante. Em janeiro deste ano, a
estimativa da Caesb era de que cada morador de Brasília gastava, em média, 129
litros de água por dia.
Por Matheus Ferrari -
Thais Umbelino*~*
Estagiária sob supervisão de Guilherme Goulart - Fotos: Breno
Fortes/CB/D.A.Press - Carlos Vieira/CB/D.A.Press – Correio Braziliense
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ÁGUA E MEIO AMBIENTE