Fundação Athos Bulcão esbarra na
burocracia para construir nova sede. Desejo da Fundação de construir uma nova
sede para homenagear e preservar o legado do artista plástico, cuja obra tem
forte ligação com a memória da capital federal, tem dificuldade para seguir em
frente
Valéria Cabral, secretária
executiva da Fundathos: ''O Athos Bulcão é o único artista que dedicou 50 anos
da sua vida à capital da República''
*Por Matheus Ferrari
Diferentemente do sotaque e de
outras manifestações culturais que não são facilmente identificadas no
brasiliense, a identidade criada pela obra do artista plástico Athos Bulcão
salta aos olhos de quem reconhece Brasília. Parceiro e colaborador de Oscar
Niemeyer e João da Gama Filgueiras Lima — dois expoentes da arquitetura
brasileira —, Athos tem sua obra presente em diversos Continua depois da
publicidade monumentos, edifícios e pontos da cidade. *Por Matheus Ferrari
No entanto, há mais de uma década,
a burocracia coloca em risco a preservação do legado do artista. Desde 2008, o
projeto da construção da nova Fundação Athos Bulcão (Fundathos), responsável
pelo acervo de Athos, permanece engavetado.
Em julho de 2009, a pedra
fundamental da obra foi inaugurada, com a presença do então governador em
exercício, Paulo Octávio. Com a cessão simbólica do terreno, a instituição se
instalaria no Setor de Difusão Cultural, próximo ao Centro de Convenções, no
Eixo Monumental, em um lote de 1,3 mil m².
Projetada pelo arquiteto João
Filgueiras Lima, o Lelé, a nova sede funcionaria como espaço cultural
multidisciplinar, com galerias para exposições de artes, salas para oficinas,
auditório, jardins e café, além de abrigar o Museu Athos Bulcão, dedicado à
divulgação da obra do artista. O complexo também serviria como ponto de
encontro para artistas, com espaços para espetáculos teatrais, de dança e de
música.
Entretanto, mesmo com o terreno
prometido pelo Governo do Distrito Federal à instituição, a secretária
executiva da Fundathos, Valéria Cabral, lida, constantemente, com processos
burocráticos que impedem que o projeto saia do papel. “Há 11 anos, eu luto por
isso. Todo ano.
Tudo com o dinheiro do nosso
trabalho, porque não temos o apoio do governo para manutenção de uma fundação
que preserva e divulga o nome de um homem que doou a maior parte da sua vida a
essa cidade”, protesta. “O Athos Bulcão é o único artista que dedicou 50 anos
da sua vida à capital da República. Falta retribuir ao professor tudo o que ele
nos deu. Uma belíssima obra, que é a identidade da nossa cidade”, pontua.
Enquanto aguarda por terreno para
construção de nova sede, instituição funciona em uma loja, na 404 Sul
Descaso: O descaso com o patrimônio
construído por Athos perdura desde seu falecimento, aos 90 anos, em 2008. No
mesmo ano, a Fundathos foi despejada do anexo da Secretaria de Cultura,
passando a funcionar em uma sala alugada, na comercial da 208 Norte. Quatro
anos depois, em 2014, a instituição se mudou para a 404 Sul, onde permanece até
hoje, à espera do terreno prometido pelo GDF.
Entre 2010 e 2016, a Fundathos
sofreu com as tramitações do processo para a assinatura definitiva da cessão do
terreno. Foram realizados diversos estudos técnicos. Entre eles, análises
urbanísticas e da vegetação do local, além de parâmetros de ocupação do solo.
Audiências públicas também debateram o assunto, até a aprovação de projeto de
lei, pela Câmara Legislativa, que autorizou a construção da sede da Fundação
Athos Bulcão.
Em outubro de 2016, com a sanção
da Lei nº 5.730, pelo então governador, Rodrigo Rollemberg, foi autorizada a
transferência de bens públicos imóveis para entidades privadas. O que abriria
os caminhos para a conclusão do imbróglio. Porém, em março de 2017, uma reunião
com os então secretários de Cultura, Guilherme Reis, e de Gestão do Território
e Habitação, Thiago Teixeira de Andrade, colocaria mais um obstáculo para a
concretização do sonho da entidade. De acordo com a Fundathos, o GDF comunicou
que um edital de concessão do terreno deveria ser aberto.
Até hoje, a entidade permanece sem
um posicionamento do governo sobre a situação. “Estamos esperando e correndo
atrás sempre que temos a oportunidade. Agora, aos 60 anos de Brasília, alguém
talvez lembre do trabalho do Athos”, desabafa Valéria Cabral. Procurado, o GDF
se limitou a afirmar, em nota, que a Fundação Athos Bulcão é uma entidade
privada e que, portanto, a obra não é responsabilidade do governo.
Intenção é que as novas
instalações sejam construídas no Setor de Difusão Cultural, próximo ao Centro
de Convenções
Reconhecimento Professor
aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília
(UnB), José Carlos Córdova Coutinho considera a construção da nova sede da
Fundathos fundamental para a preservação da identidade cultural de Brasília e
do legado de Athos Bulcão. “Um homem dessa dimensão, que vai ficar na história
da cidade, com sua obra associada à do maior arquiteto brasileiro, que foi
Oscar Niemeyer, merece reconhecimento.
A cidade tem que homenageá-lo, como já
homenageou o próprio Niemeyer, Israel Pinheiro, Juscelino, entre outros. Não é
mais do que obrigação da cidade materializar esse reconhecimento e transmitir
essa figura às gerações seguintes”, defende.
Para José Carlos Córdova Coutinho,
cidade deve homenagear Athos como fez com Niemeyer, Israel Pinheiro e JK
“Embora ele esteja, digamos,
imortalizado pela sua obra, a memória é curta. Então, há um esmaecimento da
memória entre os que se habituaram a ver essa obra no espaço da cidade como uma
coisa comum, como é um poste ou o chão de uma praça. Já transitam com absoluto
descaso e indiferença por essas obras, que já incorporaram ao seu cotidiano.
Acho que está na hora de imortalizar essa figura e criar um espaço digno para
conter essa obra.
O governo deveria assumir isso
como um compromisso perante a população”, acrescenta Coutinho.
Quem foi Athos
Bulcão: Um dos mais consagrados artistas plásticos brasileiros do século 20,
Athos Bulcão possui obra vasta. Multifacetado, criou sob as mais diversas
expressões artísticas. Desenvolveu obras em pintura, desenho, gravuras,
máscara, fotomontagem, além de um celebrado trabalho de integração da arte à
arquitetura.
Nascido no Rio de Janeiro, em 2 de
julho de 1918, mudou-se para Brasília em 1958. Atuou como parceiro de Oscar
Niemeyer e de João Filgueiras Lima, o Lelé, entre outros expoentes da arquitetura.
A convite de Darcy Ribeiro, deu aulas de pintura no Instituto de Artes da
Universidade de Brasília (UnB), de 1963 a 1965.
Traçou a identidade visual,
arquitetônica e urbanística de Brasília, por meio de seus painéis, azulejos e
relevos, encontrados nos mais diversos monumentos, edifícios e instituições da
capital federal. Ao todo, são mais de 200 obras de integração da arte à
arquitetura realizadas por Athos, que viveu em Brasília até seu falecimento, em
2008, aos 90 anos, após uma parada cardiorrespiratória. O artista convivia com
o mal de Parkinson.
No entanto, segurou os pincéis até
os últimos dias de vida. Fique atento Programação da Fundathos para os 60 anos
de Brasília » Lançamento do Calendário Ilustrado Athos Bulcão 2020, com obras
do artista criadas no fim da década de 1950 e começo da década de 1960 »
Projeto Atos para Preservar Athos Bulcão, com oficinas, palestras e exposições
em alusão aos 60 anos de Brasília » Parceria entre a Fundathos e o Google, para
a plataforma Google Arts & Culture, sobre os 60 anos de Brasília, a partir
das obras de Athos e sua relação com a cidade Pela cidade
Onde encontrar os trabalhos de
Athos » Palácio da Alvorada » Congresso Nacional » Palácio Itamaraty » Teatro
Nacional » Setor Comercial Sul » Parque da Cidade » Quadra residencial 308 sul.
(*) Matheus Ferrari - Fotos: Ed Alves/CB/D.A.Press - Correio Braziliense