“A gente já teve algumas operações da polícia federal
que estavam ali na agulha pra sair, mas não saíam. A gente vai chamá-las talvez
de “covidão”, não sei o nome ainda, mas já tem alguns governadores investigados
pela polícia federal”. Carla Zambelli, em entrevista um dia antes da busca e apreensão realizada
na residência do governador do Rio a pretexto do escândalo de corrupção em
contratos envolvendo aquisição de materiais de saúde para o combate à covid.
Por Victor Dornas
Moreira Franco, Sergio Cabral, Pezão e o casal Garotinho. Nas
inúmeras operações deflagradas que culminaram na prisão destes ex-governadores
cariocas a palavra “Organização Social” sempre esteve presente. Trata-se do
velho e contumaz esquema de desvio de dinheiro mais usado no Brasil, isto é, de
empresários que realizam serviços superfaturados para o governo mediante
contratação fraudulenta de cartas marcadas.
A polícia federal encontrou hoje no escritório de advocacia
da esposa de Wilson Witzel uma série de documentos que vinculam a primeira dama
à empresas de Mario Peixoto, preso em 14 de maio. Novamente, o mesmo esquema.
Chama atenção da imprensa o fato da deputada mais ligada a
Bolsonaro, Carla Zambelli ter dito ontem numa rádio que a polícia estava
prestes a reiniciar operações proteladas contra governadores que prevaricaram
durante a pandemia. A imprensa novamente acha normal supor que alguém com o
desígnio criminoso resolva publicizar seus atos dessa forma.
A questão é que embora se suponha que a intervenção
autorizada por lei do governo federal na polícia tinha como escopo a proteção
indevida de seus pares, conforme venho tratando nessa coluna, talvez, numa
hipótese menos gravosa, a ideia do presidente fosse ocupar espaço numa polícia
já politizada e garantir, com isso, as diligências promovidas contra seus algozes,
como por exemplo Wilson Witzel. A imprensa então foca na questão de Zambelli ter ciência do
fato, como se isso fosse tão relevante diante de mais um escândalo na
gestão carioca.
De fato, Zambelli personifica aquilo que venho criticando há
tempos aqui, isto é, aquele político que fala em nome de instituições, que
veste camisetas, que anuncia operações em off. Sérgio Moro, padrinho de
casamento de Zambelli, nunca se mostrou contrário ao fato, pois também entende
que a autonomia da polícia significa que ela faça aquilo que ele quer.
Estima-se que foram adquiridos equipamentos orçados em mais
de três vezes o valor devido com isso talvez se aponte de pronto o prejuízo de
mais de 100 milhões ao erário. A verdade é que não se sabe ainda a extensão da
operação batizada como “Placebo” pela polícia carioca, mas já se sabe que um
dos dois governadores que encabeçam as críticas mais pesadas em relação ao
governo, isto é, João Doria e Wilson Witzel, precisa agora se recolher um pouco, ainda que argumente ser
vítima de perseguição e coisas do gênero que sempre ouvimos nesse casos de corrupção recorrentes no estado carioca. O falatório de governadores que politizam o combate ao
vírus é poupado na mídia que tem como escopo a deposição do presidente. Essa é
a verdade.
Figuras que há pouco tempo eram rechaçadas nos noticiários
agora auferem de uma certa blindagem. Não só no Executivo, mas nos outros
poderes também. Gilmar Mendes que foi exposto pelo próprio colega de corte, Luís
Roberto Barroso, agora goza de legitimação porquanto qualquer crítica é
transformada em tentativa de golpe institucional. No legislativo, idem.
Deputados que constam em listas de delação da lava jato com passado notório são
poupados quando resolvem atacar o governo, isto é, um sistema de militância ostensiva. Gente que saiu da prisão recentemente sendo consultada para
opinar sobre a política.
Esse descompasso editorial causa repulsa na população. A
eleição de Donald Trump mostrou que quando a imprensa erra o tom e passar a
querer modular a cabeça de seus leitores a seu bel-prazer em tempos de internet
tende a despertar irritação. A ciência de Carla Zabelli e do próprio presidente sobre questões
sigilosas da polícia revestem uma situação que venho criticando aqui, isto é, a
politização da polícia, não só por eles mas por todos os espectros políticos e,
por conseguinte, partidos diversos.
Não convém tentar equalizar, em grau de importância, algo que, assim como rachadinhas na Alerj, já acontecem há tanto tempo e com efeito sabido com a possibilidade da sexta prisão de um governador do Rio, numa pandemia. O que acontece no governo do Rio de Janeiro é inédito na histórica democrática do mundo. É algo acima de qualquer outro escândalo. É inexplicável. A falta de senso de proporções é indicativo recorrente na militância jornalística de ocasião.
Não convém tentar equalizar, em grau de importância, algo que, assim como rachadinhas na Alerj, já acontecem há tanto tempo e com efeito sabido com a possibilidade da sexta prisão de um governador do Rio, numa pandemia. O que acontece no governo do Rio de Janeiro é inédito na histórica democrática do mundo. É algo acima de qualquer outro escândalo. É inexplicável. A falta de senso de proporções é indicativo recorrente na militância jornalística de ocasião.