O Instituto Butantan anunciou uma parceria com o laboratório
chinês Sinovac para a testagem de vacina para COVID19 em 9 mil brasileiros. Ao
contrário do que alguns cogitaram inicialmente, ainda que a testagem seja etapa do desenvolvimento de uma vacina, não se trata, portanto, de uma "vacina brasileira" e sim de uma parceria envolvendo um contrato de transferência
de tecnologia de uma vacina chinesa. Por qual motivo não temos ainda uma vacina
brasileira? Nosso país levará vantagem num contrato como esse? Como funcionam
essas parcerias? Qual o interesse da
China neste negócio? Muitas perguntas que convergem numa resposta só. O problema está mais perto, no âmago burocrático de nossas leis.
Por Victor Dornas
Há alguns meses foi noticiado que o governo de Goiás estava
fechando um acordo com a China para a exploração de uma reserva recentemente
descoberta repleta de minérios considerados raros. Logo surgiu nas redes
sociais uma série de teorias conspiratórias e adverti, nesta coluna, acerca de
certos meandros da questão, pois a China detém de monopólio nesse tipo de
tecnologia e tudo que teríamos a fazer é aprender com eles através de bons
acordos jurídicos.
A história se repete agora e continuará se repetindo, pois, a
indigesta realidade é que a China está em praticamente todos os setores
tecnológicos. Indigesto não em relação à cultura chinesa que é admirável, ou ao
próprio povo chinês que é tão legítimo quanto qualquer outro, mas em razão de
seu governo ser uma ditadura que, através de mão de obra escravizada, consegue exportar
ao mundo produtos com preço abaixo do normal.
Hoje em dia, na indústria farmacêutica, qualquer princípio
ativo que conste em bula de remédios tem grandes chances de ter origem em pesquisa chinesa.
Não é estranho que, apesar de da farmacologia não ser, nem de longe, o forte da
China, que o país, neste momento, esteja focado em conter o vírus de Wuhan,
embora seja sempre pertinente frisar que pandemias muito mais severas do que a
do coronavírus se iniciaram no ocidente também, como a própria gripe espanhola
que começou nos EUA, isto é, ressalvada a hipótese de arma biológica, a tese
que deve vigorar no senso comum é de que o vírus não tem pátria e a solução é a
cooperação.
O fato, caro leitor, é que uma vacina pode levar mais de uma
década para ser feita e o Brasil está numa janela de contágio única no mundo. O interesse da China ou de qualquer outro país em testar aqui no Brasil se dá em razão do pico de contágio, ou seja, do material humano com características contextualmente singulares. Laboratórios do mundo inteiro, iniciativas públicas e privadas
têm buscado uma confluência para acelerar esse processo, porquanto não deve
haver, de nossa parte, nenhuma restrição de cunho xenófobo num momento como
este.
Não é nada inteligente promover politicagem ideológica no atual momento.
A questão que reside agora é a seguinte: O motivo para não
termos nossa própria vacina é o mesmo que causa preocupação no acordo entre
Brasil e China para testagem de vacina. Não tem a ver com a China em si e tampouco
com qualquer risco aos pacientes, já que nossas autoridades tem essa responsabilidade
de qualquer modo e sim com a parte jurídica disso tudo.
O Brasil não sabe mexer com propriedade intelectual. Este é o problema. Não dispomos, aqui, de ambiente sofisticado de negócio, com centros de inteligência, instituições científicas bem preparadas e núcleos de inovação tecnológica que saibam fazer os melhores acordos. Os técnicos da área que estão capacitados encontram dificuldade de intercâmbios de informações em trânsito dentro do próprio governo brasileiro.
Sendo assim, não se sabe se o Butantan tem pessoal técnico
capacitado para promover o melhor acordo possível e tampouco como será a
utilização deste conhecimento tendo em vista que a burocracia interna entre
entes do próprio governo brasileiro é bastante precária. Não temos nossa própria vacina pois contamos com uma lei
caduca que inibe o pequeno e médio investidor, impondo requisitos surreais de
auditoria quando oferece isenção fiscal.
No Brasil, o empresário é julgado a
priori como sendo mal intencionado e foge de contratos com o governo quando tem
boa índole, ao contrário do que fazem as grandes corporações que operam em um
jogo de cartas marcadas, como se observa, ademais, no escândalo da gestão do Rio
de Janeiro. Sendo assim, o problema nada tem a ver com a China. O problema é nosso.
Nós não sabemos nos organizar e sempre que estabelecermos relações
com estrangeiros as chances de frustrarmos nossas oportunidades são imensas.
Não importa se é a China, ou os Estados Unidos, ou qualquer outro. Tanto nos
casos das terras raras em Goiás como, agora, na vacina testada com crivo do
Butantan, o problema é jurídico, isto é, de um país que ainda não costurou
direito sua mentalidade de negócio. Um país que alimenta ideologias sepultadas
para viabilizar o mal político a manter seus oligopólios fraudulentos, por isso
tantos escândalos envolvendo licitações e organizações sociais.
A China não tem
qualquer responsabilidade na nossa bagunça institucional interna. São brasileiros
roubando brasileiros. Eis o maior dos nossos problemas.
(*) Victor Dornas - Colunista do Blog Chiquinho Dornas , fotos ilustração: Blog-Google..