A polícia federal, que não é exatamente uma polícia criada
para investigar homicídios (ainda mais num país que não resolve homicídio algum), em sincronia com o Ministério Público Federal, decidem
arquivar o caso Adélio Bispo. A mídia divulga que, por isso, Adélio teria agido
sozinho, como se a conclusão do inquérito admitisse inferências. O direito,
mesmo sendo uma ciência humana, também tem suas regras. Num momento onde a
maior parte da imprensa decide chamar “black bloc” de “manifestante”, faz-se
necessário pontuar algumas coisas. A primeira é que, sem dúvida, ele não agiu
sozinho.
Por Victor Dornas
“A verdade não mais é buscada no conteúdo da assertiva, mas
na forma como qual ela é obtida (consenso). O conteúdo é evidentemente
importante, mas nada tem a ver com a verdade, pois para essa interessa apenas a
forma pela qual a afirmação é obtida. O verdadeiro e o falso não têm origem nas
coisas, nem na razão individual, mas no procedimento.” Habermas.
No direito penal trabalha-se com a ideia de verdade provável,
isto é, não de que a convicção do magistrado que sentencia alguém é provável e
sim que o conjunto probatório que motivou aquela decisão é provável. São coisas
diferentes. Por isso, no caso Adelio, não se diz que ele provavelmente é um
assassino amador, como a procuradora que pediu o arquivamento disse e, com
isso, promoveu a festinha militante petista. Se diz que, na visão institucional,
até então, não se viu material probatório que indicasse que ele é profissional.
Se o nobre leitor tem uma sensação agora de que são argumentos equivalentes,
recomendo mais atenção.
No direito, a verdade real das coisas é uma mera pretensão. Quando um caso envolvendo direito penal tem uma prova muito
robusta, seja uma filmagem que aponte a autoria de um assassino, ou depoimentos
bastante congruentes, ainda assim, no direito se trabalha com a ideia de
verdade provável, por ser uma ciência. Existe, por exemplo, ainda que ínfima, a
possibilidade de montagem ou qualquer outra coisa. Existe uma convicção formada
a partir de um conjunto probatório, porém sempre abrindo a possibilidade de
revisão.
A verdade real está justamente nisso, na possibilidade de revisão de
um erro, ainda que de forma intempestiva, como por exemplo quando se descobre
que alguém que passou muitos anos na cadeia injustamente. Do ponto de vista
jurídico processualístico, nada poderia ser feito dependendo da dilatação do
tempo, pois a pessoa já teria cumprido a pena injustamente, porém, ainda assim,
se providenciaria uma reparação, na eterna busca pela verdade real.
No caso Adélio, há uma convicção óbvia de que ele de fato
esfaqueou o presidente. É a própria realidade, ora! Todos viram! Foi filmado! Não há qualquer polêmica em torno disso. A
polícia então avalia outros aspectos que não apresentam nenhuma robustez probatória,
ou seja, que é Adélio é louco por exemplo. Alguém aí tem certeza disso como tem de que houve o esfaqueamento? Certamente,
não. Que Adélio não tinha um mandante e agiu sozinho. Tudo isso,
ainda diante do arquivamento, não se mostrou suficientemente assertivo pois a
polícia trabalhou com a falta de indícios, isto é, com a negativa probatória, a
ausência. Por isso persistem certos incômodos jurídicos.
O policial militar que socorreu o presidente diz ter visto
outras pessoas ajudando Adélio. Que na hora da facada, outros que ali estavam e
tentavam proteger o presidente foram agredidos. O testemunho carece de efeito
probatório na hora de indicar os autores, ou seja, a polícia, por algum motivo
não conseguiu encontrar essas pessoas, mas isso não permite a inferência de que
o policial estaria mentindo. São coisas totalmente diferentes, percebe leitor?
Outra coisa. Adélio tinha um álibi no registro de passagem em
meio parlamentar. Foi um erro? Bastante estranho. Mas se, novamente, a polícia
não consegue achar um responsável, isso não faz com que o registro seja menos
estranho, afinal estamos falando de alguém que teve registro no PSOL durante
muitos anos, isto é, alguém que talvez soubesse como o sistema funciona lá
dentro do parlamento. Adélio não tinha condições financeiras, mas frequentava certos
clubes, detinha eletrônicos aos pares. O fato de a polícia não estabelecer
vínculo probatório sobre tudo isso não significa que isso deixe de ser bastante
estranho.
Mas então, indaga o nobre leitor, acerca do título deste texto. Se é tudo tão “estranho” e de fato não há nenhum indício probatório até então
que revestiu numa postura institucional assertiva no sentido de considerar
Adélio um membro de um grupo organizado, como afirmar então que ele certamente
não agiu sozinho, como diz o título desse artigo?
Explico. No direito penal existe a figura do instigador, isto é, aquele
que quer cometer um crime, mas, para não se prejudicar, usa um terceiro instigando-o
a fazer tal ato. Um jornalista pode ter reservas severas no tocante ao modo
como o presidente atua em sua gestão, ou ainda, no caso, enquanto ainda era
candidato, pode-se ter críticas contundentes sobre a postura do então
parlamentar Jair Bolsonaro. Mas quando se cria um ambiente usando o aparato
midiátio para retratar uma figura como uma ameaça nacional, ou seja, um “fascista”,
por exemplo, que teria como meta, em tese, destruir o país, cria-se o ambiente
perfeito para instigar qualquer pessoa disposta, sendo alucinada ou não, a dar
cabo ao mote arguido. Adélio, com arrimo nessa mídia que age de forma
ditatorial, se acha um justiceiro pois ele tem certeza de que Bolsonaro é de
fato um inimigo que merece a morte.
Hoje se investiga a base aliada do governo
e jornalistas simpatizantes por “Fake News”, mas nenhum político na história da
democracia brasileira é ameaçado de morte com tanta frequência em redes sociais
como o atual presidente. É notório, todos enxergam isso, menos as instituições.
Não se vê nenhum movimento institucional para cuidar disso, de modo que Bolsonaro,
um alvo vivo andando pra lá e pra cá para exercer suas convicções políticas,
conta com a sorte para evitar a insurgência de novos Adélios, isto é, os dispostos.
Um silêncio sepulcral da mídia e das instituições que
sorrateiramente culpam o próprio Bolsonaro por ter supostamente instigado Adélio.
Por isso não há repúdio. No fundo, existe um juízo desumano e enviesado ideologicamente
que inverte os polos da realidade.
Adélio teve o maior instigador da história política
brasileira. Um autor intelectual mascarado que atua no jornalismo e nas
próprias instituições e conta com um presidente que acha não ser necessário
processar aqueles que o chamam de nazista, por exemplo. Bolsonaro quer provar
que não é autoritário como se diz e, com isso, ao não processar essas pessoas,
acaba assumindo um ônus que pode lhe custar a vida. Permite, como se devesse
algo, que essa parte da mídia instigue um novo assassino, colocando nele a
pecha de genocida, por exemplo.
Trata-se, leitor, não de um inquérito que frustrou a
constatação de que Adélio pertence a um esquema criminoso em cadeia mais complexa.
Ele tem sim seus mandantes, seus instigadores e não se conhece, ainda, a
extensão disso tudo. Tentáculos que agem nas sombras e, por isso, não permitem
sua identificação exata, sua extensão, suas pretensões.
Trata-se do crime perfeito.
(*) Victor Dornas - Colunista do Blog Chiquinho Dornas , fotos ilustração: Blog-Google