Três dias antes de sua demissão, o ministro Luiz Henrique
Mandetta ignorou manifestação da sociedade brasileira de cancerologia que recomendava
a administração de hidroxicloroquina em pacientes em quadros iniciais. Se
acertou ou não, trata-se de uma análise de gestão um tanto complexa, contudo há,
no problema da saúde brasileira, uma série de entraves burocráticos e vícios de
contratação que explicam parte da dificuldade que encontramos agora.
Por Victor Dornas
O repertório verbal nunca foi uma das maiores qualidades do
presidente, de modo que, para muitos, nunca se imaginou que houvesse uma
fundamentação mais robusta para a demissão de Mandetta do que a ciumeira
politiqueira e a insistência num remédio que, até então, carece de lastro
científico adequado. Ocorre que, em tempos de guerra pandêmica, a empiria do
dia a dia também significa alguma coisa, a despeito dos protocolos de testes
viróticos que demandam bastante tempo. Ainda que a cloroquina não cure a doença,
caso a mesma tivesse a possibilidade de pormenorizar os efeitos sintomáticos severos,
já significaria, em tese, uma arma importante no combate ambulatorial diário.
Não é necessário ser um cético, entretanto, para duvidar que
a maior pandemia da geração seria solucionada, a priori, por um antimalárico
que nunca ajudou noutras epidemias nas quais, inicialmente, foi sugerido seu
uso, tal como no caso da chicungunha, que depois verificou-se ser inclusive maléfica
sua administração. Ainda que o sucesso da cloroquina representasse o fracasso
comercial de laboratórios, por ser um remédio de baixo custo.
Ocorre que os estudos que anteriormente negaram qualquer eficácia
da medicação no caso da covid 19, seja de cunho meramente profilático, ou no
combate aos sintomas, agora estão sofrendo auditoria das autoridades
competentes, de modo que a própria Organização Mundial da Saúde se manifestou
oficialmente no sentido de retomar as análises. Impende que se frise, no
entanto, que Donald Trump recentemente anunciou o fim da vinculação dos EUA com
a OMS, sendo que isso se traduz em pelo menos 500 milhões de dólares anuais. Sendo
assim, a politização da organização não é mais uma questão de inferência. Há
muito dinheiro nisso e interesses de todo tipo.
Atualmente há centenas de estudos em andamento no cenário de
combate mundial ao vírus. O Brasil anunciou que testará vacina inglesa em 2 mil
indivíduos que não foram contaminados, porém, por motivos óbvios, trata-se de
uma análise complicada de ser aferida. A tendência, entretanto, é que em breve
tenhamos notícias positivas nessa série de medicamentos e vacinas sendo
testadas em cada vez maior frequência no cenário global.
No Brasil, porém, verifica-se não apenas possíveis
ingerências de autoridades, mas também crimes na aquisição de materiais como no
caso do Rio de Janeiro, o estado que teve cinco governadores presos e agora um
possível sexto, Wilson Witzel, tem a esposa ligada por serviço advocatício a
empresário preso. Witzel se diz vítima de perseguição do Ministério Público e
agora também do Superior Tribunal de Justiça. Ainda que a pandemia seja
controlada por um medicamento ou vacina preventiva, o momento expõe todo tipo
de vício que explica como funciona a gestão pública em nosso país, não só no
tocante a crimes, mas na forma que é feita. Nas desculpas dadas, nas brechas legais, nas falhas orçamentárias.
O momento da crise é também o momento da mudança.
Para entendermos como funciona o problema da saúde brasileira
que nada tem a ver com a tragédia promovida pela pandemia, é necessário
derrubar alguns mitos e explicitar como se procede a coisa de fato. O problema no
Brasil é meramente de caixa? Evidentemente, não.
No tocante ao Ministério da Saúde, ao contrário daquilo que
tem sido divulgado, talvez agora, com um ministro interino ele esteja melhor orientado
do que nas regulações anteriores. Esta coluna sempre se manifestou contrária à
politização das forças armadas, porém é também necessário pontuar que os militares
que integram o Executivo estão na reserva, ou seja, são pessoas que, assim como
o próprio presidente, resolveram mergulhar na gestão executiva que não merecem
nenhum julgamento precipitado, individualmente, pela politização aparente.
O que se diz lá é que a gestão feita por militares é mais
pragmática, inclusive na alocação dos recursos, sem o viés politiqueiro de
praxe. Dizem que Pazuello incorporou melhor no órgão a questão da gestão de crise,
dinamizando as estratégias de combate ao vírus. Em outras palavras, segundo
fontes do Ministério, ele não está à deriva como se aventa por aí. Ao contrário,
a gestão está acontecendo e os testes de vacina de Oxford talvez atestem isso.
A verdade é que o maior desafio de qualquer gestor de saúde
no Brasil não é ter caixa para fazer as coisas e sim saber aquilo que deve ser
feito. A ver.