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UM PAÍS DOENTE – PARTE 2 (Coluna Victor Dornas)


 
Na madrugada de sexta para sábado, a página de divulgação de dados sobre a covid no portal do Ministério da Saúde ficou fora do ar. O estranhamento foi imediato, pois já se cogitava que o governo federal estaria aprontando alguma surpresa. Tal foi feito. No dia seguinte, o presidente anuncia em sua conta oficial do Twitter que faria uma recontagem dos números e que, doravante, adotaria uma métrica diferente de todos os países do mundo. Trata-se do maior vício de gestão da saúde brasileira. A interferência política contumaz e inconsequente que nos aflige na rotina que tanto conhecemos.

Por Victor Dornas

Um dos maiores enganos propagados em todo canto é que o Brasil não tem caixa para fazer as reformas ou para implementar bons programas que revertessem nossa situação calamitosa. Ano após ano, “devolvem-se” aos cofres públicos bilhões e bilhões de recursos que estavam previstos na LOA para programas de saúde, tanto na esfera federal como também na estadual. Nos governos do PT, estima-se, por exemplo, uma “devolução” de mais de 240 bilhões de verbas previstas na LOA que deviam ser destinadas à saúde e, agora, numa pandemia, a conta chegou. A explicação para o problema é simples.

O orçamento brasileiro é do tipo programático, isto é, cabe ao legislativo, mediante trabalho de indicação do executivo, traçar metas futuras e tetos alocados sobre aquilo que será gasto no ano seguinte.

A análise mal feita na previsão orçamentária e a própria oscilação de arrecadação explicam o motivo de muitos programas “caducarem” pelo fato de o gestor não conseguir estabelecer sua operação em tempo hábil e seus recursos acabam entrando no “superávit” da balança. No caso da saúde, entretanto, o que se percebe é uma cultura de incipiência de gestão em que o dinheiro não consegue ser aplicado. Os motivos? Inúmeros. 

O rodízio de cargos de chefia de natureza comissionada é um dos principais deles. São  cargos dos mais importantes usados com motivação política e com isso o gestor que assume muitas vezes não tem nenhum preparo para dar continuidade ao trabalho da gestão anterior. Outro motivo? A própria lei fiscal que equipara casos de natureza e complexidade distintos como sendo a mesma coisa e, com isso, o gestor precisa “rebolar” através de convênios para suplantar o limite do ano fiscal.

O fato é que, por celeuma politiqueira, ano após ano não se investe um dinheiro já previsto naquilo que deveria ser feito. Um dos resultados disso é um país com natureza continental que conta com 19 mil unidades de terapia intensiva em seu sistema público de saúde quando poderia ter muito mais. Ou, ainda, manter um quadro de funcionários mal pagos que precisam alternar sua rotina de labuta diária com o setor privado.

A interferência de Bolsonaro na gestão interina de Pazuello, que até então vinha bem e iniciando testagem da vacina de Oxford em mais de 2 mil voluntários, contando com a agilidade do quadro de militares da reserva que não possuem pretensões politiqueiras, retrata exatamente o quão prejudicial é a guerra política no nosso país.

Bolsonaro entende que os números divulgados não representam a realidade, pois se tratam de registros pretéritos em relação à data de divulgação. Aquilo que se divulga como mortes diárias das “últimas 24 horas” na verdade são registros de óbitos que as vezes datam de semanas atrás. Ocorre que Bolsonaro acha que o mundo inteiro é idiota, pois bastaria apenas divulgar os números das últimas 24 horas de óbitos constatados de fato naquele período. 

Ocorre, por óbvio, um problema mais sério pois seria uma divulgação ainda mais imperfeita já que os corpos sob análise, que são sempre maioria, não apareceriam em registro algum. Diria que, por exemplo, morreram 200 pessoas de ontem para hoje, porém seria uma inverdade já que a maioria dos corpos ainda está em análise. 

Uma tentativa bastante espúria de mascarar os dados da realidade com uma inocência ímpar já que os efeitos da ideia serão ainda piores.

Primeiro que outros sites buscarão acesso aos dados da mesma forma e, se ainda tivermos um mínimo de transparência nessa gestão de crise mal feita, farão aquilo que o site do Ministério fazia, agora descreditado mundialmente. Segundo que o imaginário é sempre mais perverso do que a realidade, isto é, as pessoas começarão a tratar o Brasil como um ensaio ditatorial e tudo de ruim que acontecer por ai será extrapolado no imaginário como algo camuflado.

Essa lambança de gestão pode ser explicada pela péssima assessoria do presidente que diz ou faz aquilo que bem entende. Rodeado de aduladores, Bolsonaro não age com inteligência e produz prova contra si mesmo, dia após dia, dando vazão a sua exposição como um genocida e, com isso não apenas arrisca sua própria integridade física e moral como coloca o nosso país no epicentro de um escândalo midiático de natureza mundial.

Se esperava muito mais de alguém que conhece a cultura militar. Bolsonaro talvez nunca tenha sido de fato um militar e, por isso, ao invés de ouvir os generais como o próprio Pazuello, prefere os filhos ou um astrólogo com complexo de grandeza.

O problema da saúde brasileira não é falta de caixa e sim de gente. Gente independente e capacitada. Muita politicagem em todas as esferas do governo. Uma zona que custa vidas. E as forças armadas, que já protagonizaram episódios histórico vexatórios como a camuflagem de mortes na epidemia de meningite, novamente toma parte de um escândalo institucional na área.

Somos um país politicamente doente.




(*) Victor Dornas - Colunista do Blog Chiquinho Dornas , fotos ilustração: Blog-Google.

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