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O TRIBUNAL DOS JUSTOS (Coluna Victor Dornas)


Por Victor Dornas 

Como foi amplamente noticiado, procuradores da lava-jato tiveram um PAD (processo administrativo disciplinar) arquivado pelo conselho nacional do ministério público essa semana. O pedido foi feito pela defesa do condenado Lula, pois, segundo os mesmos, Deltan Dallagnol e seus colegas, ao realizarem uma conferência midiática com o famigerado “powerpoint”, anteciparam suas convicções sobre o caso em arguido franco ativismo político.

Irresignada, a militância petista destacou a morosidade do processo que culminou no arquivamento em razão da forma, ou seja, atrasaram demais para debater a questão. A tática do conselho foi protelar para macular o feito com o instituto da prescrição, tal qual foi feito em casos análogos envolvendo Deltan. 

Já nos votos, entretanto, vários dos julgadores registraram, “por amor ao debate”, que se o processo não tivesse sido suspenso pelo atraso que eles mesmos causaram (irônico), que havia sim indícios fortes de insubordinação disciplinar. Ou seja, eles fizeram aquilo que acusaram os colegas de terem feito contra Lula e anteciparam uma discussão para gerar um fato político. 

O cinismo da politização parece ter falado mais alto, como visto.

O caso parece singelo, contudo, assim como infindáveis outros casos que chegam a tribunais, ele é convidativo para o debate de como funciona o sistema judiciário brasileiro, principalmente em cotejo com um tipo de direito mais pragmático (diferente do europeu, que nos serve de modelo), tal como o americano. Tudo gira em torno da figura do tribunal do júri.

Explico: No Brasil, o tribunal de júri funciona apenas para determinados tipos de crime envolvendo matérias penais primordiais, tais como homicídios. Além disso, os jurados são escolhidos após o envolvimento de um juiz, tanto no uso de uma lista como na avaliação de cabimento. Nos Estados Unidos, os jurados são escolhidos aleatoriamente e usa-se o júri numa grande diversidade de matérias seguindo tanto a discricionariedade do juiz quanto a questão das repercussões sociais. 

Os membros do júri, nos Estados Unidos, debatem entre si para chegarem ao consenso, ou seja, um modelo do que significa a essência do federalismo, onde um grupo representa um debate que poderia ser feito por toda a sociedade. Trata-se de uma valorização do cidadão e um chamamento social. 

No Brasil, a interação do júri é proibida, pois o Estado aqui é uma "babá". Qual a importância disso tudo?

Caríssimo leitor: Imagine, num universo paralelo, se a competência do júri fosse ampliada aqui no Brasil. Não precisaria nem ser tão ampliada como nos Estados Unidos que, ao contrário daqui, respeitam a opinião os seus cidadãos. Bastaria ampliar para casos de corrupção, já que o próprio povo é o principal prejudicado pela deterioração indevida da coisa pública.

Além disso, imaginem se este tribunal do júri tivesse primazia em relação ao Supremo. Se todos esses políticos que são beneficiados por uma alta corte formada por indivíduos que em maioria não detém sequer de formação curricular para atuarem como juízes agora fossem julgados pelo povo? 

Será que algum deles teria sua sentença anulada, como no caso de Lula e de tantos outros que usaram um detalhe hermenêutico sobre manifestações formais da defesa para anularem toda uma cadeia processual e se livrarem, ao menos momentaneamente, da pena que certamente será imposta? Provavelmente não.

O problema desse tipo de modelo jurídico federalista é que existe um risco na seleção aleatória do sistema selecionar pessoas muito parecidas entre si, inclusive politicamente, Imagine Deltan sendo julgado por um júri formado por cães raivosos e petistas de carteirinha. Os Estados Unidos, que não são nem um pouco idiotas, também pensaram nisso e adotaram o sistema de descarte de jurado muito parecido com o nosso numa ampla seleção de perfis.

O sistema ainda não é perfeito, mas por ser extremamente diversificado, ele convida o cidadão a se envolver com casos de natureza diversa que provocam repercussões sociais. No Brasil, entretanto, o júri funciona quase como uma gentileza do Estado, que finge delegar aquilo que é, por direito, prerrogativa do povo. Ele deixa o povo julgar, mas segundo a sua coleira, numa série de moldes que indiretamente orientam e moldam o perfil do júri.

Nosso país sofre do mal da inversão de valores. O bandido aqui é bonitinho, mas talvez isso não seja uma visão majoritária da população e um sistema de júri mais voltado para um federalismo genuíno onde todos fossem ouvidos e não apenas esse judiciário reservado, talvez nós tivéssemos a oportunidade de promovermos um engajamento jurídico mais autêntico.

A reflexão que sugiro para o final de semana é: No Brasil, o tribunal que julga a corrupção é do justo ou do injusto?



(*) Victor Dornas - Colunista do Blog Chiquinho Dornas ,fotos ilustração: Blog-Google.

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