Por Victor Dornas
A morte é um recado da natureza para que saibamos sempre que não temos o controle. Por instinto tentamos racionalizar o fim, criamos um arrimo para tentar suportar. Meu amigo se foi, com muita dor. Deixou muita dor também e todos que passam por essa pandemia pela via da perda sabem do que estou dizendo.
Meu amigo tinha
dilemas, muito parecidos com os meus em certa medida. A angústia de saber que
não há sentido em muita coisa que envolve a dor, principalmente quando somos
responsáveis pela dor alheia. Não há justiça nisso, nem nada que possa ser
racionalizado. Apenas sente-se, a dureza da realidade de que as coisas são como
são. Meu amigo teve o privilégio de partir sem ser esquecido e sei que ele é
grato por isso, porém as questões persistem.
Qual a razão das coisas serem como
são? Cada um busca seu
próprio sentido, porém quando um vírus que desconhece nossas teogonias, nossos
modos de vida, ou desconhece a própria vida já que tecnicamente um vírus nem
vida tem, passamos então a racionalizar o próprio vírus, como antítese daquilo
que existe. O vírus é pior do que um buraco negro, pois por mais destrutiva que
seja a força daquilo que atualmente conhecemos como a maior força da natureza
em termos destrutivos, afinal de contas nem a luz o resiste, o buraco negro
serve como um gerador gravitacional que equilibra as galáxias. Através da
destruição inimaginável, o universo se mantém.
Já o vírus, serve para
quê? Alguma resposta há de ter, porém estamos longe de saber. Ou talvez não haja
resposta nenhuma e o vírus seja apenas a antítese da realidade. Ainda assim,
racionalizamos o vírus. A ideia é de que estaria tudo controlado, de que os
números estão caindo, porém não sei vocês, uma vez que no sofrimento o lado
racional acaba sendo tolhido por um tipo de empiria mais visceral, mas o número
de casos que chegam aos meus ouvidos, de pessoas próximas ou não, só tem
aumentado.
Notícias sobre uma
segunda onda em Manaus e da falta de unidades de terapia intensiva no Rio de
Janeiro, que foi um dos primeiros estados a reportar queda de registros, aguçam
nossos impulsos conspiratórios, de modo que começamos a indagar se há algo
sendo encoberto pelas autoridades, ou se de fato estamos mesmo superando essa
maldição. Maldição, aliás, que deve ser a pior da história brasileira, uma vez
que durante a eclosão da gripe espanhola, a maior peste da história da
humanidade, o Brasil era bastante diferente.
Há um consenso entre
epidemiologistas sérios o bastante para não politizarem a miséria alheia de que
o fluxo de pessoas contaminadas lá no início, no berço da disseminação provoca
uma cadeia praticamente inevitável.
A ideia do lockdown não é propriamente só científica e sim a forma de honrarmos as mortes que serão inevitáveis e por
instinto ou pela lógica que nem sempre coaduna com absurdos científicos,
acabamos nos isolamos para tentar frear essa criatura que ganha forças num
cenário de economia globalizada com um fluxo de pessoas entre continentes
jamais vista em nossa existência como espécie.
A rapidez de tráfego, a
interdependência que mantém essa máquina de bilhões de pessoas, onde muitas
vezes, como nós, por exemplo, se experimenta luxos que também são inéditos
historicamente falando. O custo dessa máquina tão poderosa e tão necessária
talvez seja a porta de entrada para a contaminação em escala global de vírus
como esse. O futuro dirá e nossos cientistas da aera talvez doravante recebam
fundos maiores em termos de pesquisa para prevenção, seja em virologia ou nas
mais diversas áreas necessárias na contenção de pandemias.
Não sabemos também o
quanto a cultura influencia nisso, o fato do povo brasileiro não ter ainda
suportado as mesmas provações de culturas mais antigas, talvez nos impulsione a
condutas mais irresponsáveis, de desprezo aos cuidados com a contaminação
alheia.
A teorização sobre o vírus nos mantém com uma falsa sensação de
controle. Nós precisamos disso
para seguir em frente.
Interpretamos o
universo e sua realidade inóspita diante de nossa fragilidade existencial para
termos alguma segurança e até nos orgulhamos de nossas conquistas nas áreas do
conhecimento, num esforço para melhorar a qualidade de vida de gerações
futuras, o que talvez seja nossa maior demonstração de altruísmo, enquanto
espécie. Mesmo sem saber se o
altruísmo é uma invenção nossa ou uma lei imutável do universo, nós
persistimos, trabalhando para deixarmos um espólio mais dignos para aqueles que
virão.
Meu amigo se foi. Deixou tristeza, mas sempre nos deu alegria. Contribuiu como pode. Fez o seu papel e viveu.
Obrigado Tio Aron.