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MANDETTA E O CAPITALISMO CHINÊS (Coluna Victor Dornas)

 

Por Victor Dornas

A jornalista Vera Magalhães modernizou e dinamizou o programa Roda Viva, de maneira que muitos dos convidados agora condizem com os holofotes do momento. Quando se começa um escrutínio sobre ações pregressas do governo na pandemia, Vera então convida o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta para falar sobre os bastidores da política durante a tentativa de contenção do contágio pelo governo federal. Claro que o evento estava repleto de politicagem e o fato é que o vírus ainda é relativamente desconhecido para a ciência, de modo que não se sabe direito até que ponto as medidas de isolamento protelam ou impedem o alastramento.

Mandetta é um político que há algum tempo promoveu lives com Gilmar Mendes, lançou livro contando fofocas e tudo mais. A entrevista tem pontos nesse teor, sobre supostas falas do presidente numa narrativa obviamente unilateral dos fatos. Tudo isso é interessante, porém foram os dez primeiros minutos da entrevista que mais chamaram muito a atenção deste humilde articulista.

A microbiologista Natalia Pasternak pergunta a Mandetta acerca do motivo do Brasil não ter feito àquilo que se esperava em termos de redes de atenção primária, ou seja, profissionais especializados que promovessem políticas públicas no controle e educação da sociedade com uso de máscaras, gel, etc. O Brasil, como lembrou a microbiologista, se destacou em frentes análogas, como no combate à dengue, de maneira se esperou na pandemia uma atuação mais rápida na eclosão do vírus. Sabe-se que lá atrás é que se definiu o ritmo de proliferação.

Aqui cabe, desde já, um aparte sobre o quanto o debate é enriquecido pela presença de profissionais dos assuntos tratados que não politizam as questões. O cenário de crise da pandemia no Brasil deve ter sido um dos mais politizados do mundo, repleto de achismos de gente de todo tipo tentando capitalizar o seu espaço. 

Gente que não era especialista na área recomendando que as pessoas fossem ao carnaval, gente que não era especialista em nada tecendo juízos sobre um vírus que nem a ciência conhece direito, enfim.

A microbiologista Natalia então enaltece as questões técnicas ao começar a entrevista questionando fundamentadamente a técnica. Mandetta havia prometido lá na posse da pasta que faria uma secretaria especial baseada nas chamas EPIs (equipamento de proteção individual), tais como máscaras especiais para atendimento a público sujeito a risco.

A resposta do Mandetta pode não ter sido satisfatória para alguém da ciência, comoa própria Natália, não sei. Aí seria a opinião dela. Porém o ex-ministro traz um alerta muito importante. Mandetta se justifica sobre a morosidade em promoção das EPIs por culpa da China. E aí não é um olavista bradando sobre comunismo e outros bordões e sim um ex-ministro destacando um fato específico de natureza geopolítica que não apenas prostrou o Brasil como muitos outros países. A questão toda gira em torno da influência da manufatura chinesa na economia globalizada. Mandetta destaca que a China consegue exportar as máscaras a 6 centavos, enquanto aquelas produzidas na industria local custariam 4 vezes mais.

Com isso, modelou-se a produção local incapaz de competir com preços desse tipo. O liberalismo, como erroneamente se interpreta no Brasil, não é simplesmente desestatizar. Ao contrário, nada tem a ver com isso e sim com os limites do Estado na sujeição individual inevitável. O liberal aplica barreiras alfandegárias pelo mesmo motivo, ou seja, para proteger sua indústria local. 

Por algum motivo, infere-se pela fala de Mandetta que produtos chineses já estavam entrando no país nesses seguimentos de EPI, de maneira que quando eclodiu a pandemia, não havia iniciativa privada operante. Percebem o quanto isso é grave? Como o governo permitiu que materiais tão fundamentais para um país com natureza continental fosse importado da China? Por um lado, economizava-se dinheiro, porém de outro frustrou-se o enriquecimento da indústria local e colocou-se o país como sujeito aos interesses chineses.

Mandetta diz que quando a coisa explodiu, a China virou-se para si própria e aumentou drasticamente a distribuiões de materiais de EPI, por óbvio. Com isso, países como o Brasil ficaram chupando dedo, sem saber o que fazer. Ele diz ainda que, por conta de sua amizade com autoridades chinesas, que conseguiu um favorzinho na remessa de milhões de máscaras por navio, que naturalmente demoraram muito para chegar. Nada disso ofusca o fato primordial, ou seja, de que o Brasil estava de quatro para os interesses da China. 

Este é o ponto focal da discussão. Como deixamos a situação chegar num ponto onde a manufatura de um produto tão simples, que nada tem de tão tecnológico assim, dependesse de importação?

Disso se tira uma ideia do quantos mais setores estão nessa mesma situação. Enquanto a esquerda stalinista apontava os canhões para o imperialismo americano, foi a falta de uma política alfandegária efetiva contra a China que talvez tenha ocasionado milhares de mortes. Não é por acaso, aliás, que o governo Trump tem sido tão protecionista e isso nada têm a ver com liberalismo ou socialismo. Trata-se da velha negociação que protege a produção local.

A fala de Mandetta termina com um comentário muito interessante: “O responsável foi o capitalismo selvagem da China.”. Ora bolas, uma nação comunista que desrespeita todos os direitos humanos agora servindo de exemplo como um país capitalista selvagem? Pois é. Eis a complexidade da geopolítica. 

Na verdade isso pouco tem a ver com qualquer abstração que a academia queira denominar. Capitalismo, comunismo, ou qualquer ismo. Isso é a malandragem de sempre, daquele que quer se dar bem em cima dos outros. Nomes para isso existem aos montes, não importa. Mas o fato é que precisávamos nos defender e não o fizemos. O Brasil não tem autonomia alfandegária pois o congresso é um agrupamento de pessoas chulas que não possuem formação intelectual para debater estratégias de mercado.

O Brasil é uma empresa comandada por gorilas. Isso explica a questão das EPIs. Na China, reina o capitalismo selvagem, como disse Mandetta. Aqui, só o selvagem mesmo.




(*) Victor Dornas - Colunista do Blog Chiquinho Dornas, fotos ilustração: Blog-Google.

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