Mala por desfazer para trás, medo no olhar e coração apertado. Foi assim que Cláudia Maria Patrício Costa da Silva, 52 anos, chegou ao hospital há nove meses, com um cansaço extremo e muita dor de cabeça. Acompanhada do marido, André Luís de Souza, 48 anos, Cláudia precisou ser internada às pressas.
Os sintomas poderiam facilmente
ser causados pela chegada recente de uma viagem a trabalho na Europa, feita
entre 22 de fevereiro e 2 de março. Poderiam, não fosse uma pandemia provocada
por um vírus desconhecido, que hoje faz parte da história do mundo inteiro.
Naturalizada com o mundo jurídico
de embates e decisões, a advogada nunca imaginou que teria que enfrentar um ser
invisível e lutar pela sua vida. O caminho foi longo e árduo. Foram 105 dias de
confronto até Cláudia conseguir voltar para casa e encontrar a razão de toda a
batalha: sua família.
Hoje, quem entra no lar dela e a
encontra, vê uma mulher cheia de força e esperança. As flores de diferentes
tons em cada canto da sala passam a mensagem de gratidão pela vida. Cláudia faz
questão de dar cor ao cômodo que durante meses ficou vazio e sem alegria.
A luta: A história de luta da
primeira paciente com covid-19 no DF começou em 5 de março, quando ela recebeu
o diagnóstico positivo para a doença. O estado de Cláudia já estava grave, e
ela precisou ser internada, às pressas, no Hospital Regional da Asa Norte
(Hran), referência no tratamento para a doença na capital do País. André também
testou positivo e teve que fazer o isolamento sozinho em casa, sem poder ver a
esposa.
No Hran, Cláudia foi sedada e
intubada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “Minha última lembrança foi
perguntar para um dos profissionais de saúde se eu ia viver e ele afirmar com
firmeza que sim. Eu realmente não tive dúvidas, porque o jeito que eu fui
acolhida por todos os profissionais de saúde, extremamente capacitados em todos
os níveis e setores, fez toda a diferença na minha vida”, declara, agradecida.
Nos 46 dias que permaneceu no
hospital público, a paciente ficou em coma induzido. Com comorbidades — outras
doenças que agravam o quadro clínico —, ela apresentava constantes oscilações
no estado de saúde.
“Os dias se passavam, e as
notícias se agravavam. Aquelas informações diárias, de altos e baixos, deixavam
a família em um estado de preocupação intenso”, relembra o marido. Em meados de
março, com sucessivos quadros de febre, a mulher atravessou seu período mais
crítico, com uma síndrome aguda respiratória severa.
A situação chegou a se estabilizar
até o fim do mês, mas, no começo de abril, Cláudia teve uma piora na
insuficiência renal. “Desde o início da internação, ela já vinha apresentando
problemas renais e realizando hemodiálise, mas a situação ficou ainda mais
difícil, e ela passou por uma paralisação renal”, conta André. Diante do longo
período de ventilação mecânica, ela também teve que passar por traqueostomia.
No fim de abril, já curada da
covid-19, Cláudia foi transferida para uma unidade particular, após decisão da
família em concordância com a equipe médica do Hran. No hospital privado,
passou a dar continuidade à reabilitação.
A recuperação: Ainda sedada e
em estado grave, Cláudia chegou à UTI não covid, onde a sedação foi reduzida
para a retomada gradual da consciência. Apesar da demora, a fé e a esperança do
marido aumentavam cada dia mais. “Sempre tive certeza que ela se recuperaria da
doença, e alguma coisa me dizia que estava muito perto de isso acontecer.” A
intuição de André estava certa. Depois de 15 dias internada no hospital
particular, o milagre aconteceu.
Em uma tarde, Cláudia acordou e
imediatamente procurou pelo marido. “Ali começou a nova trajetória. Quando ela
retomou a consciência, foi encantador. A emoção do reencontro foi muito forte”,
relembra André, emocionado. Cláudia completa: “Ele tinha dormido na cadeira e
estava longe. Eu não tinha muita voz, mas consegui ter força para falar as
primeiras palavras: ‘Amor, vem aqui. Eu estou viva’”.
A volta para casa: Depois de mais de 70 dias no hospital, a notícia de que Cláudia estava totalmente curada finalmente chegou, em 16 de junho. A despedida foi comemorada pelos profissionais de saúde com palmas e balões coloridos. “Foi muito emocionante receber essa homenagem. Marcou um recomeço na minha vida”, declara a guerreira.
Os dois puderam comemorar 28 anos
de matrimônio juntos em casa, em agosto, com laços ainda mais fortes. “A gente
passa a ver tudo de forma diferente e a valorizar os pequenos momentos, como
tomar um simples café juntos. Somos eternamente gratos a Deus por esse milagre
e essa nova chance”, diz a advogada.
Rodeado de amor, o lar se tornou a
fortaleza de Cláudia na readaptação da nova rotina e no reaprendizado de atos
cotidianos, como andar, falar e mexer as mãos. “Depois de seis meses que saí do
hospital, ainda me recupero das sequelas da covid-19. Faço fisioterapia todos
os dias para melhorar os movimentos e minha respiração. Mesmo assim, me sinto
perfeita e completa. Hoje vejo a vida com mais amor e gratidão.”
A troca de olhares e as mãos entrelaçadas revelam a cumplicidade do casal em planos para o novo ano. “Queremos dividir tudo o que aprendemos nas adversidades e, de uma forma construtiva, ajudar as pessoas e conscientizá-las sobre as consequências da covid-19”, conta André. Para isso, ele e Cláudia escrevem um livro com toda a história de superação. A previsão é que a obra seja lançada até março de 2021.“Tenho a responsabilidade de contar sobre meu novo recomeço para as pessoas”, diz Cláudia.
A luta do casal virou uma campanha
publicitária do Governo do Distrito Federal para alertar a população sobre a
segunda onda da covid-19 e estimular a adoção de medidas preventivas, como usar
máscara, álcool gel e evitar aglomeração. A campanha começou a ser veiculada na
terça-feira (22). O casal não cobrou cachê.
Texto: Thais Umbelino - Fotos: Breno Esaki - Agência Saúde DF - Ilustração: Blog.