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Deixa o coração livre

Deixa o coração livre


*Por Ana Dubeux

 

Em tempos de aprisionamento forçado, só não podemos enclausurar o coração. Tenho ouvido muitos relatos de angústia, tensões, emoções à flor da pele, estresse pós-traumático, tristeza, estafa, medo, pânico até. Corações acelerados, mentes confusas, mandando recado ao corpo, que somatiza o nervoso de uma vida em compasso de espera. Precisamos estar atentos e fortes para não deixarmos os sentimentos diante de uma pandemia transformarem-se em ameaças à saúde mental e física.



Em especial, ouço de famílias as narrativas de dor que se impõem em virtude da insegurança e da dúvida. O que fazer com as crianças isoladas, que começam a demonstrar comportamentos de tristeza ou de hiperatividade? E os adolescentes, que não podem conviver com os amigos, que perderam a formatura, a viagem sonhada com os colegas de turma, que viram o último ano da escola por uma tela de computador ou celular? O que fazer com a solidão dos velhos, que definham de saudade e veem passar os dias sem sua academia, o chá com as amigas, a cervejinha no boteco da esquina?



As pontas dos laços do grande nó, que é essa pandemia, estão em sofrimento e, muitas vezes, não sabem sequer demonstrar. As famílias assistem a suas crianças e seus velhos resistirem como podem a um passar de tempo que nessas fases de vida são tão preciosos. Uma amiga contou do sobrinho de 11 anos: “Tia, minha adolescência tá chegando e minha infância tá perdendo tempo. Estou só, não brinco mais com pessoas da minha idade”. Um jeito de dizer que está vendo a vida passar por frestas de janela e que tem sido uma época duríssima.



Lá na outra ponta do laço, dona Lola, mãe de uma amiga de Recife, recuperou-se de covid aos 103 anos. É vida que segue, meus amigos. É esperança que se renova. Lola Rivas desafiou a morte. Gugu, o menino, desafiou o tempo e mandou recado para esperá-lo. Ainda quer ser mais criança. Ele sente a solidão dos velhos; ela sente a vitalidade de criança novamente tomando conta de si. A vida e suas cambalhotas marotas.



O respirar profundo depois da covid tem também uma sequela importante: ver que não importa a idade e a fase de vida — um coração batendo forte já é motivo para comemorar e se encher do ar fresco que só a esperança traz.



Por isso, com todos os cuidados, máscara e distanciamento, saia e deixe os outros saírem para um respiro ao ar livre. A graça do mundo precisa ser vista in loco. O olhar do outro precisa encontrar o seu. O abraço talvez ainda possa esperar, pois o vírus permanece forte e à espreita, mas o carinho responsável pode chegar. Invente uma nova maneira de existir e de coexistir, em especial para as crianças e os velhos da sua família.


(*) Ana Dubeux – Editora-Chefe do Correio Braziliense – Fotos/Ilustração: Blog-Google

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