O ano que congelou
Estava aqui lembrando dos planos que fazia na passagem do ano passado para este. Os pensamentos voam rápido em direção ao passado, à viagem que tanto planejei, por exemplo. Me pergunto se posso, talvez, repetir a lista de resoluções de 2020. Podemos, não é mesmo? Sonhar ainda é bom; fazer é melhor ainda. 2021 pede muito para chegar diferente.
A quatro
dias do fim do ano, só consigo ter duas sensações distintas. Uma delas é aquele
sentimento que alcançamos ao ver um filme de suspense, aquela iminência de um
susto a qualquer momento. A vida é mesmo um salto no escuro, uma espera de
acontecimentos, mas 2020 superou qualquer enredo de terror. E 2021 vem chegando
sob os ecos de um recrudescimento da pandemia. Já o segundo sentimento... Este
se resume a uma palavra: esperança.
2020
congelou no terceiro mês. Cada um terá de encontrar a sua forma particular de
se despedir dele. É possível zerar, voltar o cronômetro? Não. De fato, vivemos
tudo isso. Confinamento, distanciamento, restrições, solidões, medidas de isolamento
– cumpridas ou não. O saldo disso tudo é tão desigual quanto o Brasil que
vivemos. Olhamos o mundo de janelas muito diferentes, e a verdade é que, para
alguns, a vista continuou linda. Para outros, a linha do horizonte é terra
devastada por dores diversas.
São nove
meses deste “novo normal”, que já nada tem de novidade. O estranho virou nosso
cotidiano. Nunca a morte esteve tão perto; nunca contamos tantas histórias de
renascimento. 2020 foi o ano dos sentimentos contraditórios, de aprendizado, de
resiliência, de gratidão pela cura, de tristeza pelas despedidas, de mudança de
vida para muitos. E, apesar de tanto, 2020 foi pequeno, pouco de vivências
alegres e de experiências quentinhas. De fato, congelou.
2020 foi
um ano de espera. Um caminho longo, gelado, como uma névoa espessa que temos de
atravessar sem ver nitidamente as coisas à frente. Talvez por isso 2021 seja o
ano da esperança, simbolizada por uma vacina que mundo afora se transforma em
realidade mais rápido do que aqui. É preciso entender que, entre o esperar e o
esperançar, há grande diferença.
Não
devemos mais apenas aguardar os acontecimentos, devemos agir. Seremos o próprio
verbo. Exigir, cobrar, combater, transformar, buscar direitos, denunciar
desmandos, proteger pessoas... O vírus provou que não aceita desaforo; nós
precisamos provar o mesmo. Governantes eleitos e todos os atores políticos do
Brasil devem prestar contas dos feitos e desfeitos. Gerir o caos, unir
esforços, superar dificuldades é papel das autoridades.
Sim, ainda haverá sonho, plano, tempo, esperança. Haverá o degelo, lento e gradual. Mas até virar rio, de água límpida e corrente, há um bom trabalho a ser feito. Sigamos com responsabilidade, por nós mesmos e pelos outros.
Ana Dubeux – Editora-Chefe do Correio Braziliense – Fotos/Ilustração: Blog-Google.