Uma cidade condenada a ser moderna e eterna.
Há 60 anos, uma nova flor do cerrado brotava na vastidão do Planalto. Uma flor estranha, feita de ousadas curvas e pétalas de concreto. E o mais surpreendente: a flor tinha... asas! Talvez isso explique porque Brasília nasceu sob o signo da poesia. Poesia que é possível respirar nos traços curvos e voluptuosos de um poeta do concreto chamado Oscar Niemeyer, que não economizou delírio para fazer nascerem de sua prancheta os traços de obras que assombraram o mundo. Delírios que só se tornaram possíveis graças aos cálculos do poeta pernambucano Joaquim Cardoso, que provou ao mundo que o concreto é capaz de voar.
Palácios, monumentos, pontes, museus: tudo plantado sobre um desenho simples
como um verso alexandrino perfeito. Um desenho poeticamente elaborado pelo
urbanista Lúcio Costa, que, ao cruzar duas linhas, deu início a uma das mais
radicais revoluções urbanísticas da história. E daí surgiu a cidade que seria
adornada pela poesia dos jardins de um artista chamado Roberto Burle Marx. Além
da expressão poética das esculturas de Ceschiatti, a cidade exibe a arte de
Athos Bulcão, que fez poesia moderna e interativa em azulejos que revestem
muitos de seus espaços.
A libélula plantada na aridez dos campos de Goiás inaugurou a Era da Ousadia, e anunciou ao mundo o gênio criador de um povo até então recolhido à tradição e à convenção que, de repente, revelou ter uma alma rebelde e atrevida. Capaz de olhar o mundo e desafiar: depois de conhecer esta cidade, será que alguém sabe de outra obra humana que melhor sintetize a palavra Futuro?
Assim, a cidade alçou voo, ganhou fama e atraiu a admiração e o espanto de quantos a viram pela primeira vez. O astronauta Yuri Gagárin, ao ver-se em plena Esplanada dos Ministérios, não se conteve: A impressão que tenho é a de estar chegando a um planeta diferente.
Em tudo Brasília se banha na poesia de que se nutre. Tudo nela é puro espanto, e assim permanecerá, perturbadora visão às futuras gerações. Desde que Niemeyer obrigou o concreto a fazer curvas audaciosas aos horizontes infinitos que se descortinam para onde se volta o olhar e ao fogo que ensanguenta o céu do Planalto a cada por-de-sol que a emoldura.
Tudo deslumbra. A ponto de o escritor francês André Malraux imaginar as belas ruínas que se formariam caso a cidade fosse destruída. Clarice Lispector conta que um dia morreu e, quando abriu os olhos, era Brasília e ela estava sozinha no mundo.
Brasília sabe que ninguém, em qualquer tempo ou lugar, roubará dela o título de A cidade mais Moderna . Mas achou pouco. Por isso não esperou três milênios, como Roma, para ingressar na eternidade. Com apenas 60 anos uma faísca no tempo da história. Brasília realizou o sonho do poeta Drummond: cansou de ser moderna. E tornou-se eterna.
Brasília seduziu artistas de todas as artes, de todas as linguagens, de todos os sotaques. "Amorosa e clara; A cidade Voa; Com as próprias asas (Joanyr de Oliveira).
Mesmo seu criador, aquele menino de Diamantina, filho da professora Júlia, não
resistiu à poesia. Ao fazer a apresentação de um livro do cronista Clemente
Luz, Juscelino Kubitscheck rendeu-se à emanação poética de cada tijolo, de cada
saco de cimento, de cada carrinho de pedreiro, de cada pá manejada pelas mãos
calosas dos candangos envolvidos na epopeia da construção: Toda a poesia
das longas noites de trabalho, toda a esperança das horas infatigáveis da
construção, estão contidas em suas páginas. É um diário que fala e faz chorar
de saudade. Foi feito em prosa, mas é o poema da cidade (JK, 1960).
Paulo José Araújo da Cunha - Jornalista, professor da Universidade de Brasília.