A incivilidade dos fura-filas
Na
segunda onda da crise sanitária, pelo menos 45 brasileiros morrem por hora em
decorrência da covid-19. Até ontem, eram mais de 215 mil óbitos e 8 milhões de
infectados. A esperança de conter a crise foi renovada com a chegada de 10,8
milhões de doses de vacinas para esta primeira fase. Uma quantidade escassa,
suficiente para imunizar, no máximo, 5,4 milhões de pessoas. Seriam necessárias
29,6 milhões de doses para suprir a demanda dessa etapa, com previsão de
imunizar 14,8 milhões de pessoas.
Nesse ambiente de consternação e de luto, vários indivíduos adotam
comportamento idêntico ao dos corruptos: os fura-filas da vacinação. Em pelo
menos nove estados e no Distrito Federal, promotores públicos estão atentos aos
desvios no plano de vacinação e prometem atuar com rigor, para que autores e
beneficiados pela infração sejam punidos. O artigo 312 do Código Penal prevê
pena de dois a 12 anos de prisão, além de perda do cargo, para o servidor
público, responsável pela guarda das vacinas, que cometer peculato ao aplicar o
imunizante em quem não teria direito nessa primeira fase. O beneficiado também
responderá por concorrer para o mesmo crime e pagar multa.
As apurações dos promotores abrangem Sergipe, Amazonas, Bahia, Amapá, Ceará,
Paraíba, Pernambuco, Pará, Rio Grande do Norte e Distrito Federal. Têm
prioridade os profissionais de saúde que atuam na linha de frente para salvar
vidas — e eles conseguiram evitar mais de 7 milhões de mortes —, idosos com 80
anos ou mais, deficientes vivendo em abrigos e indígenas. Não se trata de
privilégio. Em Manaus, onde estão morrendo mais de 100 pessoas por dia, a
denúncia de fraude interrompeu a vacinação e não há data para a retomada.
Os fura-filas são desprovidos de solidariedade e respeito. Faltam-lhes
educação e decência. Trata-se de comportamento que prolifera e causa graves
danos, assim como o vírus. Em grande parte, a atitude é reforçada pela
negligência e pela incapacidade de o poder público de cumprir à risca os
protocolos definidos pelas autoridades em saúde. Aliás, o Plano Nacional de
Imunização contra a covid-19 tornou- se um documento volátil, com alterações de
públicos em cada etapa da imunização, dependendo daqueles que gritam mais alto.
Na primeira versão, lançada em 16 de dezembro, os grupos prioritários somavam
49,6 milhões de pessoas, que receberiam a vacina em três fases. A atualização
do plano, divulgada na quarta-feira (20/1), o governo prevê a imunização de
77,2 milhões. Diferentemente da edição inicial, não há detalhamento das etapas
subsequentes à atual. As futuras etapas estão condicionadas à disponibilidade
de vacinas.
O plano deve ser seguido por todas as unidades da Federação. Os dados colhidos
por municípios e capitais devem alimentar um cadastro único nacional, sem
prejuízo para os controles estaduais. Impõem-se organização e fiscalização
rigorosas para conter o ímpeto fraudulento dos fura-filas, destituídos de
princípios e valores humanitários compatíveis com a tragédia sanitária que
elimina vidas e arrasa o país.
Visão do Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog-Google.