Hoje é fácil amar Brasília. A
cidade está pronta, bem cuidada – mesmo que viadutos despenquem na cabeça da
gente, como aconteceu há quatro anos – e se transformou numa metrópole, com
tudo de bom e de ruim que vem com o progresso. Esses dias estamos privados de
nossos botecos, o que entristece bastante a cidade, mas a vida pulsa.
Nem sempre foi assim. Era impossível
andar sem chegar em casa com o calcanhar cheio de poeira, não havia parques, as
árvores eram poucas, tortas e miúdas, tudo era um imenso vazio forrado de terra
vermelha. Compreende-se a revolta dos cariocas, que deixaram uma cidade pronta,
praia, amigos, para se alojar no ermo.
O samba Não Vou Pra
Brasília, de Billy Blanco, virou um hino desses revoltados. “Eu não sou
índio nem nada/ Nem uso argola pendurada no nariz/ Não uso tanga de pena/ E
minha pele é morena/ Do sol da praia”, cantava o grupo Os Cariocas.
Curiosamente, Blanco era paraense, estado com muito mais índios do que no então
árido Planalto Central.
Mas nem todos eram refratários à
capital que surgiu no meio do nada. O sempre atento Danilo Gomes envia uma
crônica de Anderson Olivieri sobre a relação passional do poeta botafoguense e
empresário carioca – da gema – Augusto Frederico Schmidt com a cidade. É relato
curto, mas preciso sobre a época em que era fácil odiar a cidade.
Schmidt, lembra Olivieri, chegava
ao exagero de elogiar o clima da nova capital para não deixar dúvida sobre seu
apoio à proeza do amigo presidente. E é sempre bom lembrar a mais famosa
contribuição literária do poeta a Brasília, frase que Juscelino Kubitschek
deixou marcada em pedra: “Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se
transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma
vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável e
uma confiança sem limites no seu grande destino”.
O poeta é uma personagem hoje
pouco lembrada, e não apenas por suas relações políticas. Sua ação com palavras
foi além da própria obra – que também merecia mais atenção –, lançando ou
consolidando, como editor, talentos como Graciliano Ramos, Gilberto Freyre e
Vinicius de Moraes.
Schmidt, amigo de Brasília desde
os primeiros rabiscos nas pranchetas geniais, não figura entre as
personalidades que ajudaram a criar a cidade. O poeta está esquecido, nada
sugere algum reconhecimento por suas ações, a não ser uma meia dúzia de fotos
no Memorial JK. Ninguém lembra sequer que foi ele, influente junto aos grandes
empresários da época, que financiou a campanha presidencial de JK.
Era homem de muitas faces. Poeta
soturno, empresário rico, político irônico (combateu João Goulart com palavras
afiadas), morreu em 1965 desgostoso com o novo regime militar que ajudou a
construir e que acabou cassando seu amigo JK. Não conseguiu realizar o sonho de
construir uma casa num dos dois terrenos que comprou em Brasília – um no Park
Way, outro no Lago Norte.