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Vidas secas

Vidas secas

 

O país agoniza. Assim como o resto da nação, Brasília se afoga na falta de ar que a pandemia provoca. Há poucos anos, era a escassez de água que fazia cidadãos e empresários sucumbirem. Hoje, os reservatórios transbordam, mas não sobra tempo nem disposição para celebrar a abundância. O cenário dos hospitais lotados de doentes assusta.

 

Ainda mais aterrador é pensar no futuro. Sem auxílio, sem renda, sem comida, sem vida. A ineficiência que reina no combate à pandemia é mãe do ciclo que levará ao agravamento da fome e da extrema pobreza. A solução não é simples, mas o desprezo de décadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) tampouco contribuiu. Agora, no momento em que mais precisa, a população paga o preço do enfraquecimento dessa rede pensada para atuar em momentos de crise. Entramos na guerra com arsenal defasado.

 

Não se trata apenas de hospitais e de leitos. Nós bem sabemos o esforço que inúmeros profissionais de saúde envidam, com dedicação sobre humana, para salvar vidas. O SUS é também conhecimento e estratégia. Tudo o que precisávamos para encarar o maior desafio da história. Sem os recursos e a valorização necessários, os profissionais que atuam nessa frente da linha de combate ao vírus fazem o que podem para estancar a sangria gerada pela crise.

 

A tristeza e a desolação que o momento inspira me fizeram lembrar daquela família de sertanejos abandonada à própria sorte em meio aos juazeiros. Vidas secas é um soco no estômago. A face mais cruel da pobreza estampada nas páginas de um clássico escrito para nos lembrar das nossas fragilidades e escancarar as verdades de uma realidade da qual nos afastamos propositalmente.

 

É como um dos protagonistas da obra, com a dureza justificada pelos anos de sofrimento, ao ver um dos filhos sem forças para seguir na peregrinação pela planície avermelhada descrita por Graciliano Ramos. “O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca parecia-lhe um fato necessário — e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia aonde.”

 

Logo mais, arrependido, o pai pegou o menino nos braços e seguiu a caminhada. Resignado, encontrou alento no amor pela criança e na vontade de encontrar uma alternativa a tanta miséria. Como na peregrinação ingrata pelo sertão, o fim incerto e provavelmente distante da pandemia não acabará com as muitas vidas secas que surgirão pelo caminho.


Mariana Niederauer – Fotos/Ilustração: Blog-Google


 

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