Movido a bebida alcoólica, música, paquera e aglomeração, há um Brasil que
insiste em desafiar o coronavírus. Em vez de isolamento, essa turma prefere o
tête-à-tête de baladas, pagodes, pancadões e outros eventos interativos menos
republicanos. De preferência, sem máscara, sem distanciamento social, sem a
adequada higiene das mãos. Os locais escolhidos para esses encontros são os
mais variados. Vale desde hotel, bar, chácara, praia e até mesmo cassino
clandestino, como aquele em que o atacante Gabigol foi flagrado em São Paulo
quando estava de férias. O fato é que existe uma parcela da população com
comportamento fora da curva na pandemia. Em geral, são jovens, cuja
inconsequência pode ser letal para eles mesmos, para pessoas próximas e para
todos os brasileiros.
Essa galera festeira contribuiu e continua a contribuir para o agravamento da
escalada da covid-19 no país, que já matou mais de 300 mil pessoas. E, se no
início da crise epidemiológica, esse grupo era um dos menos atingidos pela
doença, agora, a situação começa a se inverter. Em Minas Gerais, a internação
de pacientes da doença com menos de 60 anos mais que dobrou nas unidades de
terapia intensiva (UTIs). No Distrito Federal, a quantidade de moradores de 20
a 39 anos mortos pela doença disparou em março, com alta de 47%.
A mudança que se verifica em Minas e no DF é um recorte do que acontece em todo
o Brasil, conforme atesta boletim da Fundação Oswaldo Cruz. “O país se encontra
em uma situação de colapso do sistema de saúde, ao mesmo tempo em que a
pandemia vem ganhando novos contornos, afetando faixas etárias mais jovens: 30
a 39 anos, 40 a 49 anos, 50 a 59 anos”, assinala. Nesses três grupos, o aumento
apontado pelo estudo foi de, respectivamente, 565,08%, 626% e 525,93%.
Chefe do pronto-socorro do Hospital Santa Marta, em Brasília, Adele Vasconcelos
chancela o diagnóstico da Fiocruz. Ela relata que, faz quase um mês, as UTIs
estão lotadas de pacientes entre 20 e 60 anos. Tanto na capital da República,
onde trabalha, quanto em todo o país. “Estamos vendo jovens morrerem. Temos
mais de 90% de pacientes em ventilação mecânica, hemodiálise e em estado muito
grave”, disse a médica, em entrevista ao Correio. Em contrapartida, Adele
afirma que houve redução na internação de idosos acima de 75 anos, que seria
uma comprovação de que a vacina estaria funcionando como esperado.
Mesmo em estados e municípios onde lockdown e toque de recolher foram
decretados, as forças de segurança estão sendo obrigadas a reforçar as
operações de fiscalização para combater as baladas clandestinas. E estão
surpresos com a quantidade de aglomerações festivas que encontram a cada blitz.
Posicionada na primeira trincheira da saúde na batalha contra o coronavírus,
Adele diz que quadro dramático vivido pelo país tende a se agravar em
consequência dessa irresponsabilidade. “Temos que condenar a aglomeração. Não
temos mais mãos para tanta gente doente ao mesmo tempo. A gente nunca pensou na
vida que ia passar por isso”, desabafa.
Entre o pessoal baladeiro, constata-se que o comportamento de risco não tem
gênero, cor, nem classe social. O desrespeito aos protocolos de combate à
covid-19 impera tanto em endereços nobres quanto na periferia. Além de provocar
a morte, o coronavírus pode deixar sequelas terríveis em quem sobrevive.
Inclusive, nos jovens. Alguns ficam sem caminhar devido à atrofia muscular.
Outros têm a função renal comprometida e precisarão fazer diálise pelo resto da
vida. E há os traumas de quem pegou o vírus na balada, levou para dentro de
casa e, agora, está sendo responsabilizado ou mesmo se sentindo culpado pela
infecção e morte de pessoas queridas, como uma mãe, um pai, uma irmã, um irmão,
uma avó, um avô. Fica um apelo a moças e moços: não cedam à tentação de ir para
a balada assassina.
Editorial do Correio Braziliense