A pendenga judicial do filho de
Renato Russo, Giulliano Manfredini, com os remanescentes da banda Legião
Urbana, o guitarrista Dado Villa-Lobos e baterista Marcelo Bonfá, foi parar no
Superior Tribunal de Justiça. Giulliano Manfredini quer impedir que Dado e
Marcelo Bonfá façam shows ou gravem o repertório da banda, usando o nome Legião
Urbana sem autorização expressa.
Não sou jurista, mas tenho alguma
aptidão para reconhecer o óbvio e acompanhei o surgimento da banda na cidade.
Por isso, peço licença para dar um depoimento. A Legião Urbana é muito
importante para a história de Brasília. Ela modificou completamente a visão dos
adolescentes e do restante dos brasileiros sobre a capital do país.
Eu tinha 14 anos e morava em São
Paulo quando irrompeu o Iê-iê-iê comandado por Roberto Carlos. A Legião
apareceu como se a Jovem Guarda tivesse se desinfantilizado, se politizado e se
tornado dramática, ligada em uma tomada de 220 megavolts de voltagem. Pela
primeira vez, depois da década de 1960, os jovens reconheceram e se
identificaram com a cidade. A visão crítica ao lado chapa-branca da capital
conferiu dignidade a Brasília.
No entanto, voltemos à pendenga
judicial. A marca Legião Urbana está registrada em nome da empresa Legião
Urbana Produções Artísticas Limitadas, criada por Renato Russo e herdada pelo
filho, Giulliano Manfredini. Ele quer controlar todo o legado musical
construído pela banda.
Mas a Legião Urbana é uma criação
coletiva de Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá. A carreira solo de
Renato é completamente distinta da trajetória com a banda. Essa história está
amplamente documentada nas biografias de Renato Russo.
Quando quis desenvolver uma
vertente solo na carreira, Renato gravou os álbuns The Stonewall Celebration
(1994) e Equilíbrio Distante (1995), sem, no entanto, em nenhum momento, romper
com a banda. Grande parte das canções clássicas da banda é assinada por Renato
Russo, Dado Villa-Lobos. O nome Legião Urbana foi construído pela qualidade
dessas canções. Sem a credibilidade dessa história, a marca não seria nada. Não
faz o menor sentido cercear o direito de Dado e Bonfá de usar o nome Legião
Urbana.
Enquanto Renato Russo estava vivo,
não houve qualquer questionamento da partilha do dinheiro ganho com a banda.
Não há notícias sobre isso. Imagino que Renato Russo ficaria muito bravo com
essa batalha judicial que limita a fruição do seu legado musical.
O açaí foi registrado por uma
empresa japonesa, e a cachaça, por uma empresa alemã. Graças a gestões
diplomáticas do Brasil, as patentes foram revertidas. Sem essa ação, os
brasileiros teriam de pagar royalites para os gringos cada vez que exportassem
os dois produtos.
A situação não é idêntica, mas é
semelhante. É absurdo que Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá tenham de pedir
permissão para celebrar o legado musical que construíram ou usar o nome da
banda da qual são cofundadores e coautores.