Desde que foi inaugurada oficialmente, em
abril de 1960, Brasília vem experimentando um lento e persistente processo
irregular de ocupação do solo. Esse fato se deve, possivelmente, aos atrativos
representados pelos serviços públicos oferecidos pela capital do país.
Por outro lado, o ritmo acelerado da construção da
cidade não permitiu a devida regularização burocrática das muitas propriedades
particulares que existiam no entorno da capital ou que eram reclamadas por
pessoas e famílias que ocupavam essas áreas anteriormente e que, naquela época,
não eram devidamente registradas e documentadas em cartórios. Ou eram, como o
caso da dona Victória Rezende e Silva, que, com o marido, era proprietária de
toda a região onde hoje é o trecho 7 do Setor de Mansões do Lago Norte.
Tratava-se, aqui, de uma região remota, distante da
antiga capital e do litoral, perdida nos confins do interior do país, pouco
habitada e esquecida. Esse e outros fatores acabariam por abrir caminho para
uma grande quantidade de parcelamentos e formação de lotes irregulares.
Até o início dos anos de 1980, ocorriam poucos
assentamentos não oficiais nos arredores da capital e que não ofereciam maiores
perigos para a ocorrência de invasões em massas, capazes de desfigurar, por
completo, qualquer projeto de planejamento da cidade, como os que ocorreram no
Rio de Janeiro e que redundaram no completo desvirtuamento urbano da antiga
capital, com as consequências nocivas que hoje conhecemos.
A partir da Constituição de 1988 e, principalmente,
da chamada emancipação política da capital, deu-se um verdadeiro boom de
invasões que passaram a ser erguidas, da noite para o dia, por toda a Brasília.
Incentivadas por uma classe política oportunista, que passou a identificar nas
terras públicas uma moeda de troca representada pelo binômio: um voto e um
lote, a multiplicação das invasões fugiu totalmente ao controle dos órgãos
públicos, ameaçando destruir uma cidade planejada, transformando Brasília em
mais uma das muitas capitais espalhadas por esse imenso país: caóticas e
deformadas pela ganância e o oportunismo imediatista que caracterizam a maioria
de nossa classe política.
Hoje, passados mais de 60 anos de sua inauguração,
a questão da regularização das terras e o surgimento de novos núcleos
habitacionais, bem como as invasões, ainda representam uma realidade e uma
ameaça que parece longe de ser pacificada. Trata-se de um processo herdado por
décadas de incúria e de falta de vontade e firmeza das autoridades e que laçam
essa ameaça para um futuro incerto.
O que se tem como certeza, e a maioria de nossas
capitais demonstram isso na prática, é que cidade alguma pode prescindir e
resistir ao tempo, como espaço seguro e aprazível para seus cidadãos, se abrir
mão de um planejamento urbano, racional e metódico, capaz de ordenar e por nos
eixos toda a complexidade que envolve uma metrópole. Ou aprendemos isso,
observando o caos em que se transformaram nossas cidades mais antigas, ou
seremos condenados a multiplicar esses erros e espaços, erguendo cidades que,
no fundo, as pessoas querem ver de longe.
O problema é que planejamento urbano exige, antes
de tudo, civilidade e respeito total às normas e posturas dispostas em lei. E é
aí que está a raiz do problema. Quando se verifica, nem mesmo aqueles aos quais
a função e os altos cargos exigiriam pronto acatamento às normas e leis urbanas
cumprem o que está estabelecido, muito menos se pode esperar de outros cidadãos
menos afortunados, que vêm nessas elites um mau exemplo a ser copiado.
Não por outra, é visível também em bairros chiques,
como os lagos Sul e Norte, invasões de áreas públicas, perpetradas por pessoas
de alto poder aquisitivo, que acreditam no poder do dinheiro e da função para
domar os fiscais. Não é por acaso que, nesses bairros, onde casas e lotes valem
milhões de reais, passeios públicos, com calçadas e espaços para pedestres,
praticamente inexistem, espremidos pelo avançar dos lotes e das mansões.
Cadeirantes, idosos, atletas e outros caminhantes não têm vez nesses espaços,
tomados pelo egoísmo daqueles que se reconhecem como intocáveis. É tudo uma
tragédia urbana, sem solução à vista.
A frase que foi pronunciada: “Aquilo que escuto, eu esqueço. Aquilo que vejo, eu lembro. Aquilo que faço, eu aprendo.” (Confúcio)