Estação Cine Brasília
Enquanto o mundo explode, sem me
alienar da tragédia sanitária, cuido de coisas pequenas para manter a sanidade.
Uma amiga me mandou uma série de fotos sobre a Estação Cine Brasília,
inaugurada em 2018. Ela é composta de um lindo painel de azulejos azuis,
alaranjados e brancos, diretamente inspirado nos projetos de integração da arte
com a arquitetura criados por Athos Bulcão.
Na década de 1990, escolhi a 206
Sul para morar por duas razões: tinha uma escola para a minha filha embaixo do
prédio e bastava atravessar o Eixão para estar no Cine Brasília. Eu ia aos
domingos porque o trânsito fica interrompido no Eixão. Existem vários
brasilienses que consideram o Cine Brasília um templo do cinema, riscado por
Oscar Niemeyer, com recortes coloridos de Athos Bulcão e cadeiras de Sérgio
Rodrigues (essas foram substituídas em uma reforma infeliz).
Quem gosta de cinema viveu grandes
emoções por lá. Mais recentemente, com o crítico e professor de cinema Sérgio
Moriconi no comando da programação, o Cine Brasília viveu um período de
renascimento, de 2013 a 2019. No entanto, com a pandemia, as fotos enviadas por
minha amiga me fizeram devanear sobre a cidade.
A Estação Cine Brasília da 106 Sul
é um exemplo bem-sucedido de recriação inventiva do legado de Brasília. É
inspirada na identidade visual criada por Athos Bulcão e Oscar Niemeyer, que
todos reconhecem, mas não incorre em mera repetição. É uma recriação dentro dos
mesmos princípios de integração arte-arquitetura.
Daniela Diniz, a autora do projeto
da Estação Cine Brasília, integra uma geração de arquitetos e designers que se
interessam pela arquitetura e pela história de Brasília. Eles querem trabalhar
dialogando com os fundadores da cidade. Seria interessante que projetos como
esse se estendessem para as passagens subterrâneas das asas Sul e Norte, que
clamam há muito tempo por uma revitalização e por medidas de segurança.
Cruzar o Eixão na condição de
pedestre é uma travessia dramática. Todo brasiliense tem uma história de sufoco
ao atravessar aquela via de alta velocidade. Recentemente, o Ministério Público
resolveu participar do debate e do encaminhamento de soluções. Diariamente,
milhares de trabalhadores, de pedestres e de ciclistas se expõem ao risco no Eixão.
Além disso, as passagens são degradadas, sujas e perigosas.
Elas pedem uma ação conjunta que
incluam reformas na estrutura e medidas de segurança. Quem passa por elas corre
o perigo de ser assaltado e, se não for, enfrenta a avalanche de carros. Os artistas
plásticos poderiam ser convocados por meio de concursos para promover a
integração arte-arquitetura com painéis de azulejo.
As passagens seriam lugares
públicos agradáveis de transitar e de visitar. Um projeto com essas
características que realçaria e renovaria a identidade visual de Brasília. A
ameaça quase que permanente de agressões contra a arquitetura da cidade
provocou uma postura defensiva. Mas, além de preservar, a cidade precisa se
revitalizar, alinhada com as linhas-mestras traçadas pelos criadores. A Estação
Cine Brasília mostra que essa utopia é plenamente viável.