Entrevista - Eduardo Sabo “Escolher vacina é um despropósito”
À frente da força-tarefa do MPDFT
de Acompanhamento das Ações de Combate à COVID-19 no Distrito Federal, o
procurador José Eduardo Sabo ‘ chegou a se afastar da família para protegê-la
do contágio pelo coronavírus. Assumiu uma rotina intensa de reuniões e ações,
mas não contraiu a covid-19 devido às medidas individuais de proteção. Hoje, o
grupo de trabalho já contabiliza mais de 800 iniciativas judiciais e
extrajudiciais para a defesa da população.
Em um primeiro momento, a força-tarefa atuou na fiscalização de contratos e de
protocolos para a prevenção da covid-19. Agora, a atenção está voltada à
vacinação. “Observamos que há um desinteresse de cerca de 15% da população em
tomar as doses do imunizante. Inclusive, há situações de pessoas que estão
escolhendo vacinas. Isso é um despropósito”, diz, nesta entrevista à coluna.
A força-tarefa foi "incisiva" com a Secretaria de Estado de Saúde do
DF para aumentar o contingente a ser vacinado pelo critério de faixa etária.
Também pediu a simplificação dos processos para vacinação e a abertura de mais
agendamentos, explica Sabo.
O nome dele já foi ventilado como uma possível indicação do presidente Jair
Bolsonaro como substituto do ministro Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal
Federal (STF). Para ele, o fato de ser lembrado já é uma honra. Mas ser
evangélico, acredita, não seria o ponto central de uma escolha desse porte.
“Professar uma religião é algo importante, mas não é fator único para que
alguém possa ser indicado e nomeado, pelo presidente da República, ministro do
Supremo.”
A favor de um projeto suprapartidário para conter os reflexos da pandemia no
Brasil, ele acredita que as lideranças deveriam se unir mais no âmbito dos
poderes, buscando esforços para a superação de desafios, que aponta como
“colossais”, como o aumento da dívida pública e o crescimento da população de
vulneráveis.
Na esfera social, a lição do momento, para ele, é uma só: “Devemos ser mais
solidários e compreender que temos responsabilidade coletiva, pensando sempre
no próximo. Sabo admite que a terceira onda já chegou ao DF e garante que
estamos preparados para enfrentá-la.
Quais ações efetivas adotadas pela força-tarefa reduziram o impacto da crise sanitária no DF? Entendo que a força-tarefa do Ministério Público tem prestado um apoio importante à sociedade do Distrito Federal nesse período difícil. Como instituição que tem a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento da legislação, nosso trabalho consiste, fundamentalmente, em acompanhar as ações do governo local no combate à pandemia, cobrando melhorias e adequações para garantir os direitos da população. Especialmente, nesse momento, os relacionados à saúde e à vida. Contabilizamos, desde o início das nossas atividades em março de 2020, mais de 800 iniciativas nos âmbitos extrajudicial e judicial na defesa desses direitos da sociedade do Distrito Federal.
O senhor pode citar alguns exemplos? Concretamente, apenas para
citar algumas iniciativas, nosso trabalho resultou na melhoria expressiva da
transparência das informações prestadas pelo Executivo local à sociedade sobre
diversos aspectos da pandemia. Atuamos diretamente na regularização do
fornecimento de Equipamento de Proteção Individual (EPI) para os profissionais
de saúde. Cobramos, com êxito, que fossem melhorados os procedimentos
licitatórios e contratações de insumos e equipamentos utilizados na rede hospitalar.
A regularização do transporte coletivo de passageiros, sem redução da frota,
assim como a higienização dos ônibus, também é fruto do trabalho do MPDFT. Do
mesmo modo, os aprimoramentos na Central de Regulação de Leitos, mecanismo
fundamental para o adequado atendimento dos pacientes e para a correta
administração da crise sanitária. No momento, nossos esforços estão
concentrados no monitoramento da vacinação, que estamos acompanhando
cotidianamente.
Por que estamos tão atrasados na vacinação em comparação a São
Paulo, Rio, Recife, Maceió? O Distrito Federal tem uma situação
peculiar. Cerca de 20% das pessoas que têm sido atendidas na rede de saúde
local ao longo desse período de crise sanitária é proveniente de outros estados
e do Entorno. Por sediar os poderes da República, a Administração
Federal, temos uma demanda muito grande em nossa rede hospitalar. Essa
circunstância impactou o atendimento no DF. Nós trabalhamos para que o Governo
local preservasse a segunda dose para que não houvesse atraso na completa
imunização. Todos esses fatores fizeram com que, nesse momento, o DF tenha uma
situação diferenciada em relação a esses demais estados.
Não fizemos lockdown da forma certa ou flexibilizamos cedo demais as
restrições a atividades não essenciais? Entendo que nós fizemos o lockdown
no momento certo. Foi uma boa decisão do governador Ibaneis Rocha. Ele teve a
sensibilidade, com a qual nós concordamos, de equilibrar os cuidados sanitários
com a proteção do emprego e da renda. Não acredito que isso possa ter influído
decisivamente e repercutido na proliferação do vírus.
Notadamente, as filas praticamente acabaram nos postos de vacinação nos
drive-thrus da cidade. As pessoas perderam o interesse pela vacina? O que
houve? Há cerca de uma semana, nós constatamos, de fato, a situação
de poucas pessoas se deslocando para os postos de vacinação. Em razão
disso, fomos incisivos com a Secretaria de Estado de Saúde do DF para
fosse aumentado o contingente a ser vacinado pelo critério de faixa etária.
Também requeremos a simplificação dos processos para vacinação e a abertura de
mais agendamentos. Observamos que há um desinteresse de cerca de 15% da
população em tomar as doses do imunizante. Inclusive, há situações de pessoas
que estãoescolhendo vacinas. Isso é um despropósito. Uma parte do público que
recebeu a primeira dose no DF, como mencionei, é oriunda de outros
estados, principalmente da região do Entorno. Esses não estão retornando porque
estão recebendo a segunda dose em suas cidades.
Estamos preparados para enfrentar uma terceira onda? Sim.
Estamos preparados. Acredito, inclusive, que ela já iniciou. Nossos aparelhos
públicos, em especial os hospitais, incluindo os de campanha, estão bem
aparelhados com instalações e pessoal capacitado. Os profissionais que estão
prestando atendimento nas unidades da rede de saúde são muito bem preparados e
têm disposição efetiva para atender os pacientes.
O senhor é um dos cotados para a vaga do ministro Marco Aurélio Mello no
Supremo Tribunal Federal. Tem alguma esperança de depois integrar
listas em quatro ocasiões, enfim, ser indicado? Deus me deu muitas
oportunidades, quer como procurador-geral de Justiça do MPDFT, quer como
indicado em listas para o TJDFT e para o STJ. O fato de ter sido lembrado
para vaga no Supremo já é uma honra. No entanto, a incumbência que me foi dada
pela procuradora-geral de Justiça do MPDFT, Fabiana Costa, de estar à frente
dos trabalhos na força-tarefa, fez com que eu me dedicasse inteiramente, nesses
últimos um ano e seis meses, à essa tarefa de proteção da sociedade durante a
pandemia. Por isso, acredito que a lembrança do meu nome já tenha sido uma
honra.
Considera-se terrivelmente evangélico, com o perfil desejado pelo presidente Jair Bolsonaro para a vaga? De fato sou evangélico. Integro a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil. Minha mãe é Luterana. Meu pai, católico. Creio que o fato de professar uma religião é algo importante, mas não é fator único para que alguém possa ser indicado e nomeado, pelo presidente da República, ministro do Supremo.
Como a pandemia pode reforçar os valores humanistas da
sociedade? A pandemia aguçou diversos sentimentos. De
solidariedade, de preocupação, de proteção coletiva. Acredito que todas as
pessoas estão mais sensíveis aos problemas da coletividade. Esse é um ponto
positivo. Por outro lado, sentimos a falta , a distância e o convívio
comfamiliares e amigos.
O que mudou na sua rotina neste ano de pandemia? O
fato de estar à frente de uma força-tarefa composta por mais de 30 procuradores
e promotores, envolvendo, direta e indiretamente, dezenas de servidores, fez
com que eu fosse obrigado a me expor diuturnamente. Em situações sensíveis, em
ações de fiscalização, em visitas e reuniões.Isso realmente expôs a minha
família, me obrigando, nos primeiros meses, até a ficar ausente de casa. Graças
à proteção de Deus e à adoção dos devidos cuidados pessoais, como o uso de
máscaras e distanciamento, não contraí a covid-19. E, agora, com a chegada da
minha faixa etária de 58 anos na fila da imunização, fui vacinado na semana
passada.
Como ficam as grandes questões de Brasília no pós-pandemia? No
pós-pandemia temos que ter um cuidado especial coma retomada da educação e das
atividades econômicas. Igualmente, precisamos ter um cuidado especial com os
vulneráveis. Houve uma grande perda de postos de trabalho, tanto formais como
informais. Entendo que essa atenção deve ser prioritária no pós-pandemia no
Distrito Federal.
Que ensinamento este momento nos deixa? Que devemos
ser mais solidários e compreender que temos responsabilidade coletiva, pensando
sempre no próximo.
Como vê a perda de tantos brasileiros na pandemia? Os governos
deveriam ter sido mais céleres nas decisões? Vejo com imensa
tristeza o número de brasileiros que vieram à óbito. Vejo também como muita
tristeza o expressivo contingente de enfermos, tanto nas nossas famílias
como entre nossos vizinhos e amigos. Acredito que os governos, nos diversos
níveis, municipal, estadual e federal, tomaram as decisões cabíveis nos
momentos certos, considerando o caráter de novidade e desconhecimento da
doença. E também a falta dos insumos necessários para o combate da enfermidade
e a insuficiência de doses da vacina para atender a todos.
A importância da união em torno de um projeto suprapartidário para mitigar os
efeitos da pandemia nos próximos anos é possível? Acredito muito na
interlocução, na união de esforços e na conjugação de ações para superar
desafios. O Ministério Público tem sido parceiro das demais instituições
públicas e tem atuado exatamente com esse espírito. Sou totalmente favorável a
um projeto suprapartidário. Nossas lideranças deveriam se unir mais,
tanto no âmbito dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), como
internamente, buscando, repito, a conjugação de esforços para superação de
desafios que, hoje, são colossais, em razão do aumento brutal da dívida pública
e do quantitativo de pessoas em situação vulnerabilidade.