Vírus pega quem não se protege
Por volta das 14h de ontem, mais de 70 milhões de brasileiros haviam sido imunizados com a primeira dose de vacina contra a covid-19. O número equivale a cerca de um terço dos habitantes. Mas, quando computada apenas a população adulta, rumava para os 45% de vacinados com a primeira injeção. No entanto, o total de quem recebeu as duas inoculações, no âmbito geral, ainda estava abaixo de 15%. Esse percentual causa apreensão em especialistas, diante dos sinais de que a variante Gama — a P1, localizada primeiramente em Manaus — tornou-se predominante no país e se dissemina rapidamente pelo território nacional, sem que boa parte das pessoas que a propagam sequer percebam que estão infectadas.
O alerta sobre
esse fenômeno — e essa temível característica da total ausência de sintomas —
veio de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz na Bahia que, no último dia 18,
divulgaram um estudo que fizeram em parceria com colegas da Universidade
Estadual de Feira de Santana (UEFS), no período de 8 de abril a 18 de maio. Os
resultados são preocupantes. No município baiano, onde fica a UEFS, eles
realizaram amostra aleatória com 1.400 trabalhadores que se locomoviam
regularmente de casa para o trabalho, em diversos pontos de grande movimentação
na cidade, e constataram que 11% deles tinham sido infectados pela variante
Gama e estavam assintomáticos.
Ou seja: esses
trabalhadores não apresentavam sinais de que haviam contraído a cepa, até 2,4
vezes mais contagiosa que a linhagem de coronavírus inicialmente identificada
no Brasil, e a estavam transmitindo, sem saber, a outras pessoas. Para se ter
uma ideia da dimensão da descoberta, trata-se da mais abrangente pesquisa do
gênero feita no país. A escolha de Feira de Santana foi estratégica. Além de
ser a segunda cidade mais populosa da Bahia, com 619.600 habitantes, é também a
primeira em número de habitantes do interior do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e
Sul.
Uma explicação
do coordenador do estudo, Luiz Carlos Júnior Alcântara, pesquisador titular da
Fiocruz e professor colaborador da pós-graduação em Saúde Coletiva da UEFS,
expressa bem o grau de preocupação com os achados da pesquisa. “Esperávamos
encontrar 5%, o que já seria elevadíssimo. Mas esse percentual deixa evidente
que essa variante fez a pandemia explodir porque é extremamente
transmissível", disse. "Como muitos dos infectados não adoecem, eles
espalham sem saber o vírus que, como nosso gigantesco número de mortos e
doentes deixa patente, acaba por encontrar também pessoas mais vulneráveis. É
assim que se move a pandemia no Brasil.”
Mesmo com o
avanço da vacinação no país, a pesquisa da Fiocruz / UEFS explica por que,
apesar dos mais de 500 mil mortos e cerca de 20 milhões de casos de
coronavírus, a pandemia segue implacável no país. Ao divulgar os dados do estudo,
Alcântara observou que a variante Gama está se tornando fixa na população
brasileira porque se dissemina sem obstáculos. E fez um alerta: "É por
isso que precisamos usar máscaras. O vírus não está confinado num hospital. Ele
passa ao seu lado na praça, encontra com você no mercado. Está em pessoas
sorridentes, está nas que trabalham arduamente. Ele pega quem não se
protege".