"Num momento de escassez,
fica ainda mais difícil. Mas devo dizer que o presidente Bolsonaro tem dado ao
ministro Ciro Nogueira e a mim as condições políticas para construirmos as
soluções possíveis"
Deputada federal mais votada no
Distrito Federal e, atualmente, ministra da Secretaria de Governo da
Presidência da República, Flávia Arruda tem na ponta da língua um discurso
conciliador. Sua carreira política meteórica, iniciada em 2014, foi regada pela
capacidade de dialogar com políticos de diferentes matizes partidárias.
“No Legislativo, a gente aprende a
conviver com opiniões contrárias, a construir relações de respeito e confiança
entre as diferenças. Eu tenho amigos com quem convivo à direita e à esquerda,
em todos os partidos, e gosto muito dessa diversidade, que é a alma da
democracia”, diz, nesta entrevista ao Correio.
Apesar do discurso conciliatório,
sabe que há momentos em que é preciso saber se impor. “Eu vivo num ambiente
machista. A política ainda é muito machista. Mas tenho encontrado respeito
tanto no governo quanto no Congresso. Desde muito jovem, aprendi a me impor, a
me fazer respeitar.”
No Executivo, Flávia Arruda tem
como missão construir pontes diárias do governo com o Congresso. “Não vou dizer
que é fácil. Ao contrário. É um grande desafio diário. Mas estamos conseguindo
uma linha de diálogo e respeito fundamental para o Brasil vencer essa fase
difícil da pandemia e de uma crise econômica mundial.”
Flávia acredita que, em três
décadas de democracia, ainda estamos aprendendo a respeitar a independência
entre os Poderes, mas as instituições brasileiras têm se revelado fortes. “Meu
sentimento é de que o momento de maior tensão realmente já passou.”
Para ela, pode parecer
utópica a ideia de um projeto suprapartidário numa época de muito radicalismo.
Ao mesmo tempo, segundo a ministra, “eventuais divergências vão ficar pequenas
frente aos desafios comuns a serem enfrentados”. “Sinceramente, eu acredito que
vamos ter de juntar os cacos desse desastre humanitário e social”, diz a
deputada licenciada, que aparece nas bolsas de apostas das eleições de 2022 no
DF como candidata ao Senado, a vice e também ao governo.
O período de tensão institucional
entre os Poderes já passou? Todos temos consciência de que a nossa experiência democrática ainda
está se consolidando. Da constituição de 1988 para cá, são apenas 33 anos,
muito pouco na história de um país. Mas nossas instituições têm se revelado
fortes para vencer os desafios dessa consolidação. E, ao mesmo tempo, vamos
aprendendo a respeitar a independência, a harmonia e os limites de cada Poder.
E respeitar, também, o direito da população de estar nas ruas e de expressar
sua vontade, o que é absolutamente democrático. Meu sentimento é de que o
momento de maior tensão realmente já passou.
A sua carreira política é meteórica. A senhora estreou em 2014, em uma chapa como vice-governadora. Em 2018, foi a deputada federal mais votada no DF. No Congresso, presidiu a Comissão Mista de Orçamento. E, agora, é ministra da Secretaria de Governo da Presidência. O que falta? Tenho tido o privilégio de uma experiência políticamente muito rica. Primeiro, como vice do Frejat num momento difícil. Como deputada federal. Depois, como a primeira deputada a presidir a Comissão de Orçamento e, agora, como ministra. O presidente Bolsonaro me chamou para trabalhar nas relações com o Congresso e, graças a Deus, temos conseguido construir relações muito boas e transparentes não apenas com o Legislativo, com os presidentes Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, com governadores, prefeitos, mas também com o procurador-geral, Augusto Aras, e com o Judiciário. Não vou dizer que é fácil. Ao contrário. É um grande desafio diário. Mas estamos conseguindo uma linha de diálogo e respeito fundamental para o Brasil vencer essa fase difícil da pandemia e de uma crise econômica mundial. E, com tudo isso na cabeça, sinceramente, não dá para ficar pensando o que vem pela frente. Estou tentando fazer o melhor que posso.
O que é mais desafiador: trabalhar
no Executivo ou no Legislativo? São desafios diferentes. No Legislativo, a gente aprende a conviver com
opiniões contrárias, a construir relações de respeito e confiança entre as
diferenças. Eu tenho amigos com quem convivo à direita e à esquerda, em todos
os partidos, e gosto muito dessa diversidade, que é a alma da democracia. No
Executivo, há metas a serem cumpridas, objetivos a serem alcançados. E o
desafio de construir convergências entre a equipe de governo. Num momento de
escassez, fica ainda mais difícil. Mas devo dizer que o presidente Bolsonaro
tem dado ao ministro Ciro Nogueira e a mim as condições políticas para
construirmos as soluções possíveis.
O que a senhora pretende dizer ao
eleitor em 2022? Eu quero
poder dizer, em primeiro lugar, que cumpri a missão para a qual fui eleita, não
me acovardei, venci os preconceitos e dei a minha contribuição. E, a partir
dessa experiência, eu espero poder falar da minha convicção de podermos ter um
país melhor, menos desigual, e uma Brasília que retome um projeto de
desenvolvimento, tanto na área social como na educação e na expansão da sua
infraestrutura urbana, no pós-pandemia.
Como divide os compromissos do
Planalto com as demandas do eleitor brasiliense? Esse tem sido um desafio constante. Tenho procurado
reservar as sextas-feiras e os sábados para um contato mais direto com a
cidade. Eu adoro uma feira, eu gosto de ouvir as pessoas. Para não perder a
noção da realidade. E também tenho uma relação muito boa com o governador
Ibaneis, com toda a equipe do GDF e com as demandas da cidade. E estar no
ministério tem me facilitado trazer recursos para Brasília e resolver problemas
do DF junto ao governo federal.
Como lida com o machismo na
política? O que pensa do episódio entre o ministro Wagner Rosário e a senadora
Simone Tebet? Eu vivo
num ambiente machista. A política ainda é muito machista. Mas tenho encontrado
respeito tanto no governo quanto no Congresso. E eu, desde muito jovem, aprendi
a me impor, a me fazer respeitar. Sobre esse episódio específico, eu conheço o
ministro Wagner, ele é uma pessoa muito capaz e respeitosa. Gostei de ele ter
tido a coragem de se desculpar por uma eventual má-interpretação das suas
palavras. E gostei também da postura da senadora Simone a rapidamente
considerar o episódio ultrapassado. E, com isso, todos nós vamos tendo uma
evolução civilizatória e comportamental.
Politicamente, a senhora prefere o
diálogo ao confronto. De onde vem essa característica conciliadora? Esse é meu jeito de tocar a vida, natural. Eu gosto
do diálogo. Sinto prazer em construir convergências. Gosto de uma boa conversa.
E a rispidez, o grito, as agressões, os conflitos não me atraem. Mesmo nos
momentos mais difíceis da minha vida, e eu já vivi muitas dificuldades, já fui
vítima de muito preconceito, eu saí do outro lado através do diálogo e do
respeito com pensamentos diferentes do meu.
Pode-se dizer que o trabalho social
é a principal bandeira de Flávia Arruda?Acredito que sim. Desde criança, acompanhava meu pai em ações sociais, e
ele até hoje se dedica a isso anonimamente. Quando fui primeira-dama, e eu era
muito jovem, criei a bolsa universitária; o Mãezinha braziliense, que dava um
enxoval e atendimento prioritário às mães na rede pública; a cesta verde, que
unia uma preocupação social com a alimentação mais saudável; o atendimento às
presidiárias; o apoio às creches. Enfim, fizemos muitas coisas. E, no
Congresso, presidi a Comissão do Combate à Violência e ao Feminicídio. Presidi
também a Comissão Especial do Bolsa Família, porque eu acredito que, num país
com tantas desigualdades, temos de ter políticas públicas de atendimento aos
mais pobres. Estou agora empenhada em colocar de pé um programa ambicioso de
ampliação do Bolsa Família, o novo Auxílio Brasil. As questões sociais me
atraem e me desafiam.
O que mudou na sua rotina neste
ano de pandemia? Mudou
tudo na vida de todos nós. E, no meu caso, veio o ministério com seus desafios
no meio da pandemia. Tenho dado tudo de mim. Não é fácil compatibilizar a
agenda do ministério com as limitações impostas pela pandemia e com a minha
vida pessoal, o cuidado com as minhas duas filhas. Mas nós mulheres aprendemos
a lidar com muitas coisas ao mesmo tempo. Se Deus quiser, logo tudo isso vai
passar.
Como ficam as grandes
questões da humanidade no pós-pandemia? Tenho uma visão otimista sobre o futuro próximo.
Todo sofrimento traz grandes lições. Certamente, seremos mais solidários. Mais
compreensivos. Mais humanos. O mundo terá de encontrar novos pontos de
equilíbrio entre as nações mais ricas e as mais pobres. Veja o caso do Brasil.
Ninguém mais questiona o SUS (Sistema Único de Saúde). Nem os mais liberais
questionam as políticas públicas de complementação de renda. Teremos mais
convergência e menos radicalismos.
O momento exige resiliência e
ativismo solidário. Pessoalmente, a senhora se engajou em alguma atividade
coletiva a distância ? Verdade. Essa é uma lição da pandemia. A resiliência. Perdemos grandes
amigos. Vimos a fome e o desemprego aumentarem. Vimos o sofrimento no nosso dia
a dia. Creio que todos estamos aprendendo com isso. Eu e minha pequena equipe
de trabalho nos envolvemos num esforço de tentar atender os que batiam à nossa
porta com um grito de socorro. Conseguimos ajudar um pouquinho, mas sem fazer
disso um questão política. Minha formação cristã me ensina que o que a mão
direita faz a mão esquerda não precisa saber.
Que ensinamento este momento nos
deixa? A grande lição é a nossa
fragilidade humana. E a necessidade de sermos mais humildes, mais tolerantes,
mais solidários.
A importância da união em torno de um projeto suprapartidário para mitigar os efeitos da pandemia nos próximos anos é possível? Falar em projeto suprapartidário hoje pode parecer uma utopia. Numa época de tantos radicalismos, ampliados pelas redes sociais, pode parecer um sonho muito distante da nossa realidade. Mas, sinceramente, eu acredito que vamos ter de juntar os cacos desse desastre humanitário e social, e, aí, nossas eventuais divergências vão ficar pequenas frente aos desafios comuns a serem enfrentados. Eu, cada vez mais, acredito na força do diálogo e do entendimento. Vou continuar apostando todas as minhas fichas numa convivência entre todos os que, mesmo com ideias diferentes, desejam construir um futuro melhor. E, quando tudo isso passar, seremos mais fortes e mais humanos, mais compreensivos com as diferenças e mais solidários.