A crise sanitária do novo
coronavírus dificultou o acesso ao ensino dos estudantes do Distrito Federal.
Alguns alunos não tiveram como continuar os estudos devido a problemas como
falta de acesso à tecnologia e internet ou pela necessidade de se tornarem
provedores da renda familiar de suas casas. Com isso, o abandono escolar se fez
presente nas unidades de ensino, e professores se mobilizaram na tentativa de
resgatar os alunos de volta para as escolas. Além dos danos imediatos de perda
educacional, especialistas avaliam que a falta de formação pode resultar em
aumento do desemprego nos próximos anos.
Ivan Gontijo, coordenador de
políticas educacionais do Todos Pela Educação, explica que no cenário de
pré-pandemia o Brasil estava melhorando os índices de abandono escolar. “A
pandemia trouxe novos problemas, principalmente porque o contato com o
professor não era tão direto, e era difícil monitorar se o aluno estava
faltando. Além disso, o ensino remoto não chegou para todo mundo. Soma-se a
isso o cenário de crise econômica, pois os estudantes tiveram que largar a
escola e buscar o mercado de trabalho informal, em uma tentativa de ajudar em
casa”, avalia.
Para o coordenador, o caminho é
uma busca ativa das escolas pelos alunos que abandonaram o ensino. “É preciso
ocorrer articulação com a assistência social, o conselho tutelar e entender
porque o aluno não está voltando às aulas. Vale lembrar que a evasão afeta toda
a sociedade. Ela é o fantasma da educação, pois representa o pior cenário. É
preferível um aluno com dificuldades na escola, do que totalmente fora dela.
Sem falar que a escolaridade tem uma relação muito forte com a renda: quanto
menos escolaridade, mais difícil é adentrar no mercado formal de trabalho e
mais impactos da violência e criminalidade essa pessoa pode sofrer”, destaca
Ivan.
A Secretaria de Educação disse que
as escolas realizam busca ativa “por meio de contato com os pais ou
responsáveis”. “Por isso, é muito importante que mantenham os dados de contato
sempre atualizados na escola. Mudou de endereço, telefone, e-mail, WhatsApp:
avisa a escola”, orienta a pasta.
Segundo a secretária de Educação
Hélvia Paranaguá, a pasta ainda está fazendo o levantamento, mas alguns dados
já apontam a desistência, principalmente de crianças em situação de
vulnerabilidade social. “Há muitos meninos do ensino médio que foram trabalhar
porque o pai ficou desempregado. Alguns que recebiam o bolsa família e
outros programas sociais não retornaram à escola e vamos fazer uma busca ativa
para trazê-los de volta. Antes, a presença escolar era fundamental para o
recebimento do benefício, como nesse período não houve essa exigência, eles
evadiram e abandonaram a escola”, disse, em entrevista ao CB.Poder — programa
do Correio em parceria com a TV Brasília — no último dia 3.
Busca ativa: Quem enfrentou o
desafio de encontrar os alunos foi o Centro de Ensino Médio (CEM) 03 do Gama.
Rosilene Nóbrega, diretora da unidade de ensino, conta que a escola possui
1.315 alunos matriculados, e que no começo da pandemia sofreu o impacto de
cerca de 35% de abandono entre os estudantes. “Esse período foi complicado
porque os nossos alunos ficaram desmotivados, outros não tinham acesso à
internet ou celular, além daqueles que tiveram que trabalhar para ajudar os
pais. A escola montou uma força-tarefa para ir atrás deles. Ligamos nos
contatos, mas a maioria estava desatualizada. Então, começamos a ir diretamente
nos endereços, mas como muitos pais moravam de aluguel e tinham perdido o
emprego, vários tinham se mudado”, relata.
Apesar das dificuldades, a escola
conseguiu trazer de volta grande parte dos estudantes. “De setembro de 2020 até
o fim do ano, reduzimos o abandono de 35% para 23%. Este ano, continuamos o
nosso trabalho e diminuímos o índice para 12%. Continuamos o nosso papel para
mostrar ao aluno que ele deve voltar à escola. Para isso, buscamos dar
condições para que esse retorno aconteça. Durante o ensino remoto, por exemplo,
fizemos campanhas para arrecadar celulares usados e entregar os aparelhos para
os estudantes que não tinham. O nosso foco é não perder nenhum aluno, e nosso
esforço valeu a pena, porque 14 alunos nossos conseguiram ingressar na UnB
(Universidade de Brasília) pelo PAS (Programa de Avaliação Seriada)”, conta.
Retorno: Vinicius Alves
Soares, 17 anos, morador do Gama e estudante do terceiro ano do ensino médio,
foi um dos estudantes do CEM 3 que buscou orientação na escola para retornar
aos estudos. Em 2020, mesmo com a pandemia, Vinícius revela que participou
bastante das aulas. “Cheguei a trabalhar em 2020, mas participei do ensino
remoto”, relata. A dificuldade veio em 2021, quando Vinícius começou a
trabalhar o dia inteiro. “Trabalhei como ajudante de serragem, e era o dia todo
no serviço. Por isso foi difícil conciliar os estudos. Antes de voltar (a
estudar), eu cheguei a ir na escola para verificar se compensava eu tentar
continuar os estudos”, detalha.
“A escola me falou que eu ainda
conseguiria me formar se me esforçasse bastante, entregasse as atividades e não
faltasse mais. Acabei saindo do emprego para conseguir me dedicar. Ainda não
sei o que quero estudar na faculdade, mas venho tentando ser jogador de
futebol. Ainda assim, quero terminar os estudos para garantir a faculdade
depois”, pondera.
Marcos Paulo Lima, 18 anos, também
morador do Gama, é outro estudante que passou por dificuldades para conciliar
emprego e estudo. “Comecei a trabalhar em 2019, e o principal motivo era pela
renda familiar. Fui por muito tempo a principal renda familiar lá em casa. A
pandemia também fez com que a gente corresse atrás de outras formas de
sobreviver, e isso tomava tempo. Quando estava remoto, ainda conseguia fazer
uma atividade ou outra, mas nas aulas presenciais, eu parei de frequentar”,
narra.
O estudante do terceiro ano do
ensino médio explica: “não foi algo que eu decidi, simplesmente chegava o
horário da escola e eu não conseguia ir, porque tinha que entrar mais cedo no
serviço ou tinha chegado muito tarde em casa, estava muito cansado. E o horário
não dava para conciliar. Mas agora eu estou buscando voltar, e a escola vem
tentando ajudar”.
Professora da Faculdade de
Educação da Universidade de Brasília (UnB), Catarina Almeida Santos destaca que
falta amparo do Estado para os estudantes. “Muitos estão abandonando a escola
para buscar uma forma de sobrevivência. O Estado precisa fornecer condições
para que o aluno permaneça na escola sem passar fome. Não é que o aluno queira
deixar os estudos, mas ele não tem opção. Foram vários os relatos de estudantes
de 14 anos deixando a escola para ir trabalhar na construção civil, o que é
trabalho infantil. O que precisa ser feito é estabelecer políticas que garantam
renda mínima para que eles não precisem escolher entre estudar ou se
alimentar”, frisa.
Catarina também destaca o perigo
da redução da idade mínima de trabalho. “A PEC (Proposta de Emenda à
Constituição) 18 quer permitir que jovens de 14 anos comecem a trabalhar.
Primeiro que já temos milhões de pessoas desempregadas, então não é necessário
que jovens nessa faixa-etária assumam empregos, pois já temos mão de obra
disponível. O foco deles trabalharem é porque são jovens e acabam recebendo
menos e sendo explorados”, destaca.
Danos: A evasão escolar se
reflete no mercado de trabalho. Simone Gontijo, professora do Instituto Federal
de Brasília (IFB) e doutora em educação, avalia que o preço da “exclusão da
juventude do contexto escolar é alto, e é pago por todo o país”. “Os pais
tiveram perda de emprego ou diminuição do salário, e os jovens precisaram
ocupar postos de trabalho. O aluno passa por essa necessidade urgente de
sobrevivência; é praticamente uma exclusão do estudante do processo escolar.
Ele não sai da escola por vontade própria e acaba indo para um trabalho
desqualificado, que não tem os direitos legais do trabalhador garantido”,
ressalta.
Matheus Silva de Paiva, economista
e coordenador do curso de economia da Universidade Católica de Brasília (UCB),
destaca que um dos maiores problemas do mercado de trabalho é a falta de
qualificação. “Os empresários reclamam muito da falta de mão de obra
qualificada. Eles até querem empregar, têm vontade de contratar, mas a pessoa
não dura muito tempo, pois não dá conta do serviço. É terrível para os jovens
abandonarem as escolas, porque vai na contramão do que os empresários estão
precisando”, salienta.
A expectativa é que o programa continue no próximo ano? Entramos em
dezembro com 4 mil alunos recuperando grande parte de todas as pracinhas do DF.
O programa atua no desemprego, porque uma regra (para participar) é a pessoa
estar desempregada. O aluno entra no curso e recebe o uniforme e o valor
correspondente à passagem do mês. Quando atinge 80% de aproveitamento do mês,
recebe uma bolsa com salário mínimo por ter participado. O curso chega a
durar três meses, ou seja, são três meses em que as pessoas têm um
salário. A expectativa é que a gente mantenha o programa durante todo o ano que
vem, até porque é uma política pública de Estado, de inserção social, que
independe de uma questão política. A iniciativa traz dignidade e expectativa de
vida para as pessoas.
Em sua avaliação, o Renova-DF consegue resolver o problema de falta de
oportunidade na qualificação do DF? Com certeza. O que aproxima o cidadão
desempregado à vaga de emprego é a experiência e a qualificação profissional.
Com todo esse pacote de cursos de qualificação, o aluno terá mais oportunidade.
A gente traz também a questão da respeitabilidade e da confiança, do empresário
que está contratando pessoas, pois sabe da qualidade do curso do Renova-DF.
Além de ajudar a construir a cidade, o aluno passa por um sentimento de
pertencimento aos equipamentos que ele restaurou.