No dia 26 passado, o Correio
Braziliense publicou dois artigos sobre a UnB. Um deles escrito pela reitora,
Márcia Abrahão, com o título “A UnB segue atuante e necessária”; o outro, com o
título “O que restou do sonho da universidade da nova capital”, da lavra dos
professores Remi Castioni e Gilberto Lacerda, ambos da UnB.
Tais artigos mexeram com muita
gente que passou pela UnB — inclusive comigo, que fui presidente interino da
Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília (Feub) em 1968. Instado pelos
ditos artigos, resolvi falar sobre algumas coisas que fizeram com que aquela
escola não fosse extinta logo depois da trágica invasão que sofreu em 1968,
como queriam os mandões da época, à frente o ministro Gama e Silva, da Justiça
– os quais viam a UnB como “foco de subversão” em plena capital federal.
Manhã de 29 de agosto de 1968.
Universidade de Brasília. De repente, assistindo a uma aula, ouvi gritos: “A
polícia invadiu a universidade” e “Prenderam o Honestino...” Saí da sala e,
fora do prédio, vi grupos de policiais armados gritando ameaças. A quadra de
esportes estava cheia de estudantes presos. Dali, a polícia os levaria para o
Setor Militar Urbano, onde diziam acontecer violências de toda a ordem,
inclusive torturas.
Precavido, resolvi sair do
território invadido. No dia seguinte, voltei à UnB a fim de saber o que os
estudantes esperavam da Feub naquele momento. Fazer movimentos contra a
ditadura militar? Continuar campanhas contra os Estados Unidos, visto como
suporte da ditadura, o tal “Fora, ianques”? Ouvi uma única resposta: “Queremos
continuar nossos estudos e nos formar — e aqui, na nossa Universidade de
Brasília!”
Como, entre presos e
desaparecidos, eu era o único diretor da Feub no câmpus, resolvi fazer três
coisas: 1 — dirigir a Feub até que o então presidente, Honestino, fosse solto e
voltasse. 2 — Pedir ajuda de senadores e deputados a fim de conseguir a liberdade
dos estudantes presos. E, especialmente, 3 — divulgar o perigo que a
universidade corria de ser fechada pelo regime militar — conforme relatos da
imprensa na época.
Como a universidade era o futuro
de muitos jovens cujos pais tinham sido transferidos para Brasília, a
divulgação de que a UnB corria risco de fechar encontrou forte e positivo eco
entre as famílias que tinham filhos na universidade. E entre os interessados em
manter a UnB aberta e funcionando estavam muitos filhos de ministros, altas autoridades
— e até mesmo dos militares. Ou seja, muita gente forte era contra o
fechamento.
A divulgação do risco extrapolou o
câmpus, os estudantes e as famílias. A partir daí, também ocorreu grande reação
dos brasilienses, como cidadãos, a favor de um de seus mais importantes
valores: a escola pública, gratuita, de nível superior - a única de Brasília.
Nascia ali o sentido de pertencimento. Afinal, a Universidade de Brasília era
coisa nossa.
A defesa da UnB passou a ser
assunto de todas as rodas e um simpático ponto de união de estudantes,
familiares e vizinhos. Esse sentimento foi fundamental para que os tentáculos
da ditadura, que agiam nos altos escalões do governo federal contra a UnB,
recuassem, como mostra o escritor Zuenir Ventura no livro 1968 — o ano que não
terminou.
No contexto então vivido, na tão
internacionalmente badalada nova capital do Brasil, foi péssima a repercussão,
pelo mundo inteiro, da invasão da universidade — o que alcançou reprovação
internacional. E muito importante: se os Estados Unidos estavam dando suporte
ao regime militar, a invasão de uma universidade, seguida de sua extinção, não
encontrava guarida na cultura estadunidense.
Tanta repercussão negativa
dividiu, pelo que se soube depois, até mesmo a cúpula do regime militar. Foi um
perigoso tiro no pé. Uma mancada internacional. Ou seja, como diz o título, “A
invasão da Feub salvou a UnB”
A partir daí, com Brasília
transformada em quartel general do regime militar, não se falou mais em retorno
da capital federal para o Rio de Janeiro, como aconteceu logo após a saída de
Juscelino Kubitschek do governo e também logo após a renúncia de Jânio Quadros.
É que, com a reação dos moradores
da nova capital federal contra o lamentável episódio da invasão da nossa
universidade, também nascia — e vigorosa — a cidadania de Brasília.