Françoise Forton foi a primeira estrela de Brasília
a levar o nome da cidade para o país. Ela se mudou de Brasília para o Rio de
Janeiro em busca de espaço para viver como atriz. Mas nunca deixou de se
apresentar como candanga. Tinha, inclusive, o título de embaixadora de
Brasília. A atriz lutava contra um câncer desde 1989, quando a doença foi
diagnosticada, ela participava das gravações da novela Tieta. Françoise estava
internada há quatro meses para tratamento, mas não resistiu e morreu, ontem,
aos 64 anos, no Rio de Janeiro.
Françoise era filha de pai francês e de mãe
brasileira, nasceu no Rio de Janeiro, mas passou a infância e a adolescência em
Brasília, durante o período de 17 anos. Não é por acaso que levasse esse tempo
da vida gravado no coração. O desejo de ser atriz nasceu e foi lapidado em
Brasília.
Começou a fazer teatro amador com o Teatro Equipe
de Brasília, dirigido por Donato Donai, contou a atriz, em entrevista ao
Correio, em 2018. Forton tinha 7 anos e fazia teatro infantil na Escola Parque
e participava de montagens de autos de Natal nas cidades satélites. Desfilava
pela barraca de Brasília na Festa dos Estados: “Mas nunca fui modelo e
manequim, sempre fui atriz”, comentou.
A primeira participação em peça profissional
ocorreu aos 11 anos, em Brasília, com a peça Édipo rei. No final, entravam as
personagens de duas meninas que eram as filhas do personagem interpretado por
Paulo Autran e Françoise era uma delas: “Sou fruto de uma Brasília em que a
cultura fervilhava”, disse a atriz ao Correio: “Tive muitos privilégios, como
ver o Teatro Bolshoi na Concha Acústica”.
No primeiro filme, um curta para a BBC de Londres
chamado Françoise dream, ela flanava meio que bailando por Brasília para
mostrar a cidade. Era uma atriz completa: interpretava, cantava e dançava. Fez
balé durante 12 anos com Norma Lillia, que foi madrinha do seu primeiro
casamento. Estudou canto coral na Universidade de Brasília (UnB).
Quando morava por aqui, existiam dois blocos
grandes em uma das entradas da UnB. Eram utilizados pelos professores da
universidade que davam aulas para os jovens, mas também havia uma ligação com o
Departamento de Música. “Comecei a fazer piano com Don Anísio, grande
professor, um dos maiores concertistas que temos”, contou Françoise ao Correio.
Ela conheceu Dulcina de Moraes em cena e a achou
fantástica. Mas aproveitou absorveu ainda mais os conhecimentos, quando se
tornou aluna da primeira turma da Faculdade Dulcina de Moraes.
Foi um aprendizado essencial em sua formação.
Dulcina era um teatro completo. Sempre lecionou com tanta ingenuidade, com
tanta verdade. Possível somente àqueles que amam, verdadeiramente, o teatro,
lembrava Françoise.
Considerava a aula de Duclina extraordinária porque
ela não recorria aos recursos convencionais dos livros ou da metodologia.
Carregava o teatro no corpo e na alma. Ensinou como entrar, como estar dentro
do palco e como sair. E Françoise levou esses ensinamentos para a vida: “Eu me
lembro de uma aula, quando ela diz: “Hoje eu vou apresentar um texto”. Nem me
lembro qual era a obra, mas tinha, sei lá, 25 ou 30 personagens. Ela fez todos
os personagens! Sozinha. Dulcina foi uma grande escola para mim”, disse Françoise.
Mas ela teve de sair de Brasília para se
desenvolver e para expandir o campo de trabalho. Era uma época em que a UnB não
tinha curso de artes cênicas, não havia como estudar, fazer teatro e viver como
atriz. No entanto, o amor por Brasília permaneceu vivo. Ela ganhou o título de
Cidadã Brasília Honra ao Mérito e o de embaixadora de Brasília, reunindo 19
pessoas que falam da cidade mundo afora. Ela dizia que só não morava em
Brasília por falta de condições de trabalho. Se considerava, legitimamente
candanga.
Ela fez mais de 40 novelas, entre elas, Tieta, Por
amor, O clone e Amor à vida. Atuou, também, em peças de teatro e em filmes.
Estreou na televisão aos 12 anos, na novela A última valsa. Sempre retornou a
Brasília, não apenas para rever os amigos, mas, também, para participar de
projetos. Um dos últimos foi o musical Nós sempre teremos Paris. Embora morasse
no Rio de Janeiro, ela sempre estava perto de Brasília, dos amigos, dos colegas
de faculdade. Sempre que retornava à cidade visitava os lugares favoritos: “O
Lago Paranoá é o meu xodó. Minha carteira de identidade é de Brasília, não abro
mão disso”, afirmou em entrevista ao Correio.
Depoimentos: Além de grande amiga, Françoise era uma atriz
excelente. Produziu muito no teatro, na televisão, em aulas, como professora.
Então, fará uma falta muito grande por tudo que fez aqui. Ela foi a nossa
primeria estrela. Levou o nome de Brasília, muito cedo, nacionalmente. Virou
uma estrela de Brasília. E ela sempre fez a questão de dizer que ela era daqui.
E isso nos orgulhou muito pela qualidade do trabalho dela. Foi uma pessola
muito presente em Brasília, apesar de ter ido muito cedo. O Fernando Villar e
eu estávamos trabalhando para que ele obtivesse o título de notório saber pela
Universidade de Brasília. Primeiro porque ela merecia e, depois, porque
ajudaria a ela na carreira de professora. Ela, realmente, entendia da profissão
de atriz. (João Antônio, ator, diretor e professor aposentado da UnB)
Sou da mesma geração dela. Eu a conheci antes de ela
ir para o Rio fazer Marcelo Zona Sul. Fui reencontrá-la na primeira turma do
curso de teatro da Dulcina de Moraes, quando voltou a morar em Brasília durante
um tempo. Dirigi Françoise em uma versão de Pedro e o Lobo. Depois, nos
reencontramos em São Paulo quando trabalhamos com Antonio Abujamra. Ela era uma
pessoa muito amiga, muito ligada a todos nós que fazíamos teatro. Era uma
pessoa ligada às artes desde criança. É de uma das primeiras gerações que
cresceu artista em Brasília. E saiu daqui para ser Françoise Forton. No
entanto, nunca se afastou da cidade. Sempre esteve por perto de Brasília. (Guilherme Reis, ator e diretor)