No táxi, no cafezinho e no carro,
voltando para casa, só se fala em um assunto: o tapa de Will Smith em Chris
Rock, durante a cerimônia do Oscar, em represália às facécias do suposto
humorista sobre a esposa de Will, Jada Pinkett. Mas, antes de entrar no tema,
permitam-se uma digressão. Há alguns anos, quando trabalhava no caderno
Turismo, do Correio, ganhei um modesto prêmio de melhor matéria sobre o Recife.
Um estagiário veio me entrevistar
para fazer uma pequena nota e declarei: “prefiro ganhar esse prêmio do que o
Oscar, aquela festa cafona”. Era uma blague, mas acho o Oscar uma festa cafona,
de cartas marcadas da indústria cinematográfica, em que nem sempre os melhores
e os mais talentosos levam o prêmio. No entanto é uma vitrine fantástica, em
que qualquer espirro repercute para o restante do planeta.
O tapa de Will em Chris Rock
roubou a cena. Na biografia recém-lançada, existe uma explicação para a atitude
intempestiva de Will: ele se sentia culpado pelo fato de, durante a infância, não
ter defendido a mãe de uma agressão do pai. Não cometeria o pecado da omissão
uma segunda vez. Qualquer um de nós poderia ter aquela reação.
Chris Rock mereceu o tabefe, mas,
ainda assim, está claro, a esta altura dos acontecimentos, até Will Smith sabe
que a decisão dele não foi a melhor. Fazer piada com a doença de uma mulher é,
antes de tudo, covardia. Não consigo encontrar graça em algo tão estúpido. A
maneira como rimos é reveladora dos nossos valores, da nossa sensibilidade, do
nosso caráter e da nossa humanidade. Existem situações em que não cabem nenhuma
gracinha.
Falar quando você não está na pele
ou na situação do outro é fácil. Todos nós estamos expostos a essas
circunstâncias e a esses riscos. Will perdeu uma grande oportunidade de dar uma
lição de civilidade ao planeta em um momento tão marcado pela violência e pela
boçalidade. Seria muito bom se ele tivesse feito um discurso certeiro quando
fosse receber o prêmio e expusesse a covardia e a boçalidade de Chris Rock.
Rock alegou que desconhecia a
doença de Jada. O planeta Terra inteiro sabia, menos ele. Rock agrediu primeiro
e foi o único a não pedir desculpas. Os imbecis sempre existiram, mas, com a
internet, eles ganharam voz e plateia. Ante às cenas deprimentes a que estamos
expostos nos últimos tempos, lembrei-me de trecho escrito pelo poeta
franco-uruguaio Lautreamont.
Ao ver o riso de um filósofo que
assiste à cena de um asno comer um figo, o poeta se inflama de indignação e de
senso de humor: “Ah, o filósofo insensato que se pôs a gargalhar vendo um asno
comendo um figo. Nada invento, os livros antigos mostraram com mais detalhes
esse vergonhoso despir-se da nobreza humana. Pois bem, fui testemunha de algo
mais forte, vi um figo comer um asno. E, todavia, não ri, francamente, nenhuma
porção bucal chegou a mover-se. A necessidade de chorar tomou conta de mim com
tamanha força que meus olhos deixaram cair uma lágrima: 'Natureza, natureza';
exclamei soluçando, 'o gavião estraçalha o pardal, o figo come o asno e a tênia
devora o homem!'”.