“Brasília, Brasília, Brasília, pudesse cantar-te um
verso com engenho e rima, diria que tua boa sina, que antes todos previam,
perdeu-se nalgum lugar ali defronte, onde jazem duas bacias, uma cheia e outra
vazia.” Assim cantava, nos idos da década de 1970, direto da sacada da
Rodoviária do Plano Piloto, o trovador goiano Iranildo Garça, para as pessoas
que por ali passavam apressadas.
Aqueles que ouviam essas trovas, entre risadas e
deboche, seguiam pensativas em suas rotinas. Afinal o que esses versos significariam?
Pudesse visitar hoje a mesma Rodoviária, que conheceu há quase meio século, por
certo, chegaria à conclusão de que seus versos eram, antes de tudo, uma
predição do que viria de fato acontecer, não só naquela região, mas em
praticamente toda a aeronave pousada que forma o Plano Piloto.
Lirismo à parte, a precoce decadência que, ao longo
de todos esses anos, foi tomando conta da capital, tem, entre suas múltiplas
causas, o descuido e a desatenção dos muitos administradores políticos que se
sucederam a partir daí. Para agravar a realidade que parece seguir sem resposta
para os moradores, quis a Constituição local, escrita por mãos forasteiras,
elencar entre seus parágrafos a possibilidade de cada governador montar as
equipes que formará a secretaria que cuidaria do que as cidades têm de mais
delicado e vital: as instâncias que cuidam da vigilância, das condutas e
postura, previstas no plano primeiro, de modo a preservar e manter o projeto
urbano original.
Ao nomear, demitir e, até mesmo, extinguir secretarias
e outros serviços que cuidariam de manter a cidade como um organismo e espaço
sadios, o que os sucessivos governos e seus staffs têm feito é desorganizar e
destruir a cidade, tornando-a igual ou pior do que a grande maioria das
metrópoles brasileiras. O temor de contrariar possíveis eleitores obriga e
empurra os governos locais, incluindo nesse rol, principalmente, a Câmara
Legislativa a aceitar tudo o que propõem seus apoiadores.
Quem se der ao trabalho de embarcar no coletivo que
circula entre as W3 Sul e Norte, fazendo todo o trajeto de ida e volta, e
contar quantos barracos de latas existem hoje, entulhando as paradas em cada
ponto de ônibus, verá que são dezenas, isso sem contar aqueles que se amontoam
ao longo da W2 e se espalham por todas as superquadras. Trata-se de uma invasão
que não para de crescer e que, aparentemente, não pode ser retirada, uma vez
que desagradariam seus proprietários ou aqueles que subalugam esses espaços e
que são eleitores da elite com assento no Executivo e no Legislativo da
capital. São verdadeiros aleijões que enfeiam a cidade e mostram um descaso
proposital das autoridades.
Pudessem os órgãos de vigilância agir livremente
sem a interferência dos políticos de plantão e seus interesses escusos, a
cidade seria outra, semelhante a muitas outras civilizadas do primeiro mundo,
onde esses excessos não só são proibidos, como acarretam multas e até prisão.
Pudesse Iranildo ver como está hoje a sua Brasília-despida de singela beleza,
pelos políticos que nada entendem de beleza – constataria que a cidade também
se perdeu em algum lugar, bem debaixo da Loba, onde mamam congelados, Rômulo e
Remo.
A frase que foi pronunciada: “A Justiça é “a
virtude moral que rege o ser espiritual no combate ao egoísmo biológico,
orgânico, do indivíduo.” Adeodato, 1996.
Largado: Parque das Garças, no final do lago norte
é um local muito frequentado, que merece melhorias. Ciclovia, trilhas e mais
infraestrutura. (Vídeo ~~~~)