Alain Delon vai morrer. Aliás, todos vamos. Mas o
ator francês quer escolher a hora de partir desta para a melhor, desafiando o
destino. Já fez até um bilhete de despedida, nos moldes dos que são feitos
pelos condenados ou suicidas. Delon se condenou por sofrer de velhice e vai se
colocar no paredão da eutanásia.
Sem julgamento, não é fácil envelhecer; mas como
dizem amigos de idade mais vetusta, a alternativa é pior. São pessoas que
continuam de bem com a vida. Encontram ânimo para levantar da cama todos os
dias para, depois da hidroginástica, caminhar algumas centenas de metros até a
banca do Cordeiro para uma conversa fiada e, quem sabe, um copinho de
cervejinha até chegar a hora do almoço. Os mais serelepes voltam à tarde.
É uma vida mais contemplativa, embora sejam todos
bem informados; os assuntos do dia estão sempre em pauta. Mas são senhores
ativos, dispostos a encarar a vida senão com o vigor de antes, com mais
altivez, sabedoria e até alguma rabugice, porque ninguém é de ferro.
Nem todo velho é inteligente, sagaz ou bom
conselheiro. Como já lembrava Ruy Barbosa, “não se deixem enganar pelos cabelos
brancos, pois os canalhas também envelhecem” – e não mudam, pode-se completar.
Mas eles têm sempre algo a oferecer, seja pela longevidade ou por não terem
mais nada a provar para ninguém.
Delon desistiu da vida. O passado de glamour cobrou
seu preço e ele não soube enfrentar a vida depois de encerrado o sex appeal
como sua conterrânea Brigitte Bardot, mais uma prova de que as mulheres têm
muito a nos ensinar. Até os homens se rendiam à beleza de Delon em filmes
como O Sol Por Testemunha, que o mostrou para o mundo. Mas Bardot
sempre foi mais encantadora, especialmente em …E Deus Criou a Mulher.
(Bardot de vez em quando pisa na bola, mas mostra
vitalidade quando defende os animais, mesmo ofendendo povos inteiros como
selvagens. Como ocorreu com os habitantes da ilha de Reunião, no Pacífico,
classificados como selvagens por, alegadamente, usarem cães e gatos como isca
na pesca. Mas isso é outra história e só mostra que ela, como os meus amigos do
Lago Norte, encontrou um objetivo na tal melhor idade).
Aqui em Brasília e recentemente, um amigo foi ao
médico para fazer um checape da cabeça; andava zonzo, esquecido, com
dificuldade de pensar. Sintomas de idade avançada. E como tem a sogra em casa
com mal de Alzheimer achou melhor se prevenir.
Fez exames, chapas, testes e não achava nada, até
que lhe foi recomendado um outro médico, com consultório no Conjunto Nacional e
fama de gênio, incluindo a porção de louco que esses carregam. O especialista
olhou todos os papeis, filmes, mirou meu amigo apertando os olhos, girando a
cabeça, pensativo, até que deu o diagnóstico.
Explicou tecnicamente o que estava se passando com
palavras que um leigo não consegue entender. E enquanto falava, não franzia o
cenho, nenhum esgar ou qualquer demonstração de empatia. Era um homem sem tato
falando de uma situação gravíssima. O amigo fez cara de quem não entendia nada.
A cara de enfado do doutor não mudou. Mas a
explicação assumiu um rumo mais ríspido:
– Você já viu um bolo queimado? Pois é assim que o
seu cérebro está. Tem algum miolo por dentro, mas a casca está dura, torrada.
Meu amigo entendeu. Não sabia se ficava indignado
com a rudeza do médico, com a gravidade do diagnóstico ou com a sutil
insinuação que ele tinha miolo mole. Mas não quer saber de desistir da vida:
vai procurar um médico com melhor noção de culinária.