Filha de um historiador pernambucano e de uma
modelo francesa, Marianne Peretti nasceu e estudou em Paris. Quando chegou ao
Brasil, em 1956, tinha 29 anos e uma curiosidade que nunca a abandonou e acabou
por guiá-la ao Planalto Central. “Brasília mudou minha vida. Antes, fazia
pinturas, desenhos e alguma coisa de escultura e vitrais para arquitetos.
Depois de trabalhar na capital, passei a fazer muitos vitrais. Hoje, ganho a
vida assim’’, contou, em entrevista ao Correio Braziliense, em agosto de 2003.
A pesquisadora Tactiana Braga, organizadora do
livro Marianne Peretti — A ousadia da invenção, encara a obra da artista como
excepcional no cenário internacional. “Ela coloca o Brasil no mapa da arte
vitral. E dialoga com esse vitral com liberdade, não se prende aos cânones do
modernismo e traz ao modernismo um vitral com novas possibilidades. Isso é
muito valioso”, explica. Além disso, a artista também imprime um olhar feminino
em um universo tradicionalmente ocupado por homens. “É o traço da mulher no
imaginário da construção da capital. Ela criou obras numa escala que nenhum
outro homem fez. É um olhar que não é de um escultor homem, de um artesão
homem, é o olhar de uma mãe, mulher, de um feminino que se expressa no vitral
de forma feminina, delicada, sutil, leve, criando o ambiente do sagrado. Todos
os vitrais de Marianne têm a presença do feminino”, afirma a pesquisadora.
Com formação francesa e acostumada a observar
vitrais desde a infância, Marianne tinha pleno domínio da técnica e da história
desse tipo de material. Em Brasília, ela quis dar a essa forma de decoração
tradicional em catedrais milenares um ar moderno. Como lembrou Marcus Lontra ao
analisar a obra da artista, ela recupera os vitrais góticos e acentua o caráter
operístico da arquitetura de Niemeyer. A técnica milenar ganha elegância,
ousadia e sensualidade nas curvas desenhadas para obras como a do Memorial JK,
do Panteão da Pátria e da própria Catedral.
As curvas retomam a forma dos prédios públicos da
capital, enquanto as cores emergem da própria cultura brasileira, que Marianne
abraçou ao se mudar para o Rio de Janeiro e, mais tarde, para Recife e Olinda,
onde montou e manteve ateliê durante muitos anos. “Ela teve uma contribuição
muito grande”, avisa Lontra, que é curador e especialista em modernismo. “A
grande obra dela é o vitral da Catedral, que os puristas da arquitetura moderna
não gostam, mas acho que contribuiu enormemente para o clima que o Oscar
queria, como se estivesse entrando no céu.”
Para Lontra, a formação franco-pernambucana se
reflete no trabalho da artista por meio do compromisso com a questão do vitral
combinado a um movimento sinuoso, meio matissiano. “Ela conseguia integrar
muito bem essa situação. Ela sofreu muito por uma visão excludente da arte
moderna com esses artistas que faziam trabalhos de integração arquitetônica,
como se aquilo não fosse o patamar maior da arte. Hoje, graças a Deus, isso foi
para o espaço”, explica o curador.
A criação dos vitrais da Catedral exigiu enorme
esforço físico da artista. Ela gostava de contar como se debruçava sobre os
desenhos em tamanho real espalhados no chão do Ginásio Nilson Nelson. A
presença em cada etapa da confecção, desde o acompanhamento da qualidade do
vidro até a precisão dos desenhos e esboços, era uma das características do
trabalho. O arquiteto José Roberto Bassul, na época estudante e desenhista em
uma empresa de vidro temperado, tem uma lembrança marcante de Marianne.
Bassul acompanhou parte da confecção dos painéis do
Congresso Nacional e do Palácio do Jaburu. “Me chamou muito a atenção a
criatividade, o rigor técnico, as exigências de acabamentos”, conta. “A
personalidade dela era criativa e rigorosa ao mesmo tempo. O trabalho dela
pertence a uma tradição que vai lamentavelmente se perdendo um pouco, que é a
integração de arte e arquitetura.”
Arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura
de Brasília (FAU/UnB), Eduardo Rossetti diz que o trabalho da artista
acrescenta à obra de Niemeyer uma contribuição semelhante àquela de Athos
Bulcão. “Os vitrais acrescentam um suporte artístico e uma manifestação
plástica. O Athos veio com um tipo de superfície mwwwais plural, com alto
relevo, baixo relevo, azulejo. Marianne traz o vitral, o elemento da
transparência, da luz”, avalia o arquiteto. Para ele, uma das obras mais
surpreendentes da artista está no Memorial JK. “O vitral do mausoléu é muito
impactante, aquela luminosidade vermelha, roxa e amarela sobre JK é
fundamental. Aquele espaço sem a obra da Marianne seria outro”, acredita.