Muita gente ficou chocada com a declaração do
ministro Alexandre de Moraes, num congresso de juízes, de que a internet deu
voz aos imbecis, repetindo Umberto Eco (O Nome da Rosa). Ele é o juiz que vai
presidir as eleições de outubro, em que a maioria dos eleitores ganhou voz na
internet. Antes dele, o atual presidente da Justiça Eleitoral, ministro Fachin,
fez uma ironia com os militares que, convidados, apresentaram sugestões para
dar mais segurança e transparência às apurações. Depois de recusar as
sugestões, ele disse que “quem trata de eleições são forças desarmadas”,
desprezando as forças que foram convidadas para a Comissão de Transparência. E,
antes ainda, o ministro Barroso, em Boston, denunciou que as Forças Armadas
foram orientadas para atacar as eleições. Nada parecido com o ideal de juízes
que vão presidir eleições e deveriam ficar olimpicamente distantes do embate
político, eleitoral, ideológico e de paixões. O presidente da República tem
sugerido a necessidade de mais segurança e transparência ao processo eleitoral,
para mais confiança nas apurações, e feito críticas a ministros. Mas o
presidente é um político — e eles são juízes.
Por isso, fico a imaginar se o próprio Supremo vai
considerar, à luz da Lei Orgânica da Magistratura, alguma providência para
preservar o tribunal. Por parte do presidente Fux já existe essa preocupação
desde que a expressou em seu discurso de posse, dois anos atrás. A Suprema
Corte tem sofrido um desgaste diretamente proporcional a decisões que
contrariam a Constituição e os ditames do devido processo legal. Fica parecendo
com um diretório de partido político e, às vezes, com um diretório acadêmico em
véspera de eleição. Como se trata do topo de um Poder, tudo abaixo fica
afetado. Até mesmo os estudantes de direito, no seu idealismo pelos princípios
da Justiça e do direito.
É essencial um país democrático ter uma Justiça
confiável, impessoal e imparcial. Sem isso, não há paz social e
desenvolvimento, cuja base é a segurança jurídica. Se num ano eleitoral o juiz
que vai presidir a eleição já separa os eleitores entre imbecis da internet e
os outros, o que se tem é uma farsa de imparcialidade. O Conselho Nacional de
Justiça, que pode julgar juízes, não tem jurisdição sobre o Supremo. Só quem
pode fazer isso é o Senado. Mas o presidente do Senado acaba de declarar que
“não deixarei o Supremo isolado”. É um caso inédito de o presidente de um poder
se mobilizar para proteger o outro, o que tem por consequência abandonar o
dever de preservar a Constituição no encargo eventual de processar e julgar
ministros do Supremo. Significa justificar sua negativa de encaminhar inúmeros
pedidos de senadores, por desrespeito à Constituição. E deixar que o desgaste
continue.
Juízes que exigem ser tratados como se estivessem
no Olimpo precisam respeitar para serem respeitados. Se prendem, ainda que
ilegalmente, os que os desrespeitam, precisam respeitar aqueles que os
sustentam com seus impostos, a quem servem — e que acreditam na Constituição.
Todos estamos submetidos à Constituição feita em nosso nome. Ela está acima do
Supremo, que é um tribunal constitucional, não um tribunal constituinte. O
Supremo não é maior que a Constituição, mas é maior que os ministros que lá
estão. O Supremo precisa ser salvo de quem o desgasta.