Após dois anos
extremamente desafiadores, as aulas presenciais foram retomadas em todo o
Brasil. O retorno às salas de aula, que vinha sendo gradual e desigual por
causa das diferenças socioeconômicas e epidemiológicas em cada localidade do
país, deve ser comemorado como símbolo de uma reconstrução necessária. Além de
toda a importância da escola para a qualidade do processo de
ensino-aprendizagem, reativar os espaços de convivência e as relações sociais
tão prejudicadas pelo isolamento social imposto pela pandemia torna-se uma
questão-chave para o nosso futuro.
Crianças, adolescentes e jovens foram afetados de forma muito singular nesses
últimos anos. Segundo o estudo Situação Mundial da Infância 2021, elaborado
pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o impacto da covid-19 na
saúde mental e bem-estar desse público ainda será sentido por muitos anos.
Segundo a pesquisa, ao menos um em cada sete meninos e meninas com idade entre
10 e 19 anos vive com algum transtorno mental diagnosticado. Além disso, um em
cada cinco adolescentes e jovens de 15 a 24 anos afirma que, muitas vezes, se
sente deprimido ou tem pouco interesse em fazer alguma atividade.
Esse cenário deveria estar no centro das preocupações de toda a sociedade neste
momento. Afinal, é fácil imaginar que o futuro da nação pode ser comprometido
por causa das consequências dos transtornos emocionais dos profissionais e
cidadãos que estão em formação. Por isso, a Unicef pede que a promoção da saúde
mental de todas as crianças, adolescentes e também dos cuidadores sejam
priorizadas nos próximos anos.
O momento é oportuno para enfrentar alguns desafios que já estavam presentes
antes mesmo da pandemia, mas que foram agravados com o isolamento social. Um
exemplo é o chamado deficit de natureza, que vem aumentando muito nas últimas
gerações e revela mudanças de hábitos prejudiciais à saúde mental de toda a
população e, de um modo especial, da infância. Em média, as crianças passam até
44 horas por semana na frente de uma tela e menos de 10 minutos por dia
brincando ao ar livre.
Especialistas do mundo todo já alertam sobre os diversos riscos causados pelo
excesso de telas, como barreiras ao desenvolvimento cognitivo; prejuízos em
áreas da linguagem, memória e atenção; além do aumento da ansiedade,
irritabilidade e obesidade, entre outros problemas. Os sinais estão claros e
precisamos urgentemente criar oportunidades de interação e aprendizagem ao ar
livre, pois mesmo um curto período de tempo por dia em atividades externas
ajuda as crianças a se concentrarem no aprendizado.
Segundo estudo do Child Mind Institute, dos Estados Unidos, uma criança gasta
atualmente menos de sete minutos por dia em brincadeiras não-estruturadas. Isso
é dramaticamente menor que qualquer geração anterior. Mas é importante lembrar
que as crianças aprendem muito pelo exemplo e são reflexo dos pais e
cuidadores. Portanto, a reflexão vale também para os hábitos das famílias.
A ideia não é estimular um sentimento de culpa nos adultos, mas, ao contrário,
mostrar que é possível reconectar as famílias com a vida que pulsa lá fora,
para além das áreas fechadas e protegidas e, principalmente, das telas. As
famílias têm muito a ganhar se puderem se reaproximar da natureza, dentro das
possibilidades e limitações de cada um. A situação é particularmente
desafiadora no Brasil, pois segundo estudo da Lenstore Vision Hub, do Reino
Unido, somos o terceiro país em que as crianças mais preferem utilizar
dispositivos eletrônicos a realizar atividades ao ar livre, atrás apenas dos
Emirados Árabes e dos Estados Unidos.
É natural que pais e professores estejam preocupados com a recomposição e
recuperação das aprendizagens defasadas, mas podemos aproveitar o contexto de
saída da pandemia como oportunidade para reforçar a conexão entre a escola e as
famílias para uma vida mais saudável. Não faltam subsídios científicos para
sustentar essa mudança de hábitos e busca por uma educação integral que coloque
a conexão com a natureza como prioridade.
Um esforço nesta direção é a Coleção Meu Ambiente, que disponibiliza
gratuitamente materiais paradidáticos e vídeos de orientação para professores,
com propostas de atividades para agregar o estudo do meio ambiente no cotidiano
dos alunos do Ensino Fundamental de forma lúdica e interdisciplinar. O material
mostra que é possível abordar temas ambientais de forma transversal, refletindo
também sobre um futuro mais sustentável. No entanto, além de conhecimento
teórico, precisamos proporcionar vivências que promovam a reconexão com a
natureza desde a primeira infância, sempre com o apoio das famílias.
Por mais que a tecnologia faça parte da nossa rotina, não há nenhum aplicativo
ou jogo virtual capaz de substituir o sentimento de conexão e descoberta que a
criança tem ao vivenciar uma experiência na natureza. Certamente, as crianças
não conseguirão lembrar qual foi o seu melhor dia em frente ao YouTube, mas
terão na ponta da língua uma vivência especial e divertida na natureza.
A urgência do verde na
vida das crianças no pós-pandemia
Thaís Machado Gusmão —
Gerente de Educação e Engajamento da Fundação Grupo Boticário – Foto: Ed
Alves/CB – Correio Braziliense
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Saúde